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DULCE MARIA SAVIÑON

Quase soltei fogos de artifício quando Christopher voltou a trabalhar presencialmente.

Nosso contato diminuiu noventa por cento desde então, já que estou dormindo quando ele sai pela manhã e, quando retorna, pouco depois das sete da noite, fico fora do seu caminho, conforme prometi que faria após a briga ridícula que tivemos.

Está perfeito assim.

Sem alfinetadas, sem olhares reprovadores, sem o babaca gritando comigo por causa de uma blusa.

Foram três dias ótimos. Aproveitei para descansar ao máximo, desenhar, pintar, assistir Netflix. A última vez que pude me dar ao luxo de fazer coisas apenas porque eu queria e não por obrigação foi antes de entrar na faculdade.

Comecei a estagiar cedo, no início do segundo ano, e minha rotina virou uma loucura. Ia para a universidade pela manhã, almoçava por lá mesmo e corria para o estágio, onde ficava até às seis da tarde. Enfrentava mais uma hora e meia de trânsito insuportável para chegar em casa, morta de cansaço, e ainda tinha que estudar até às onze, somente para recomeçar tudo outra vez no dia seguinte.

Era exaustivo.

Pouco a pouco, deixei de lado tudo que me fazia bem.

O que me fazia ser eu.

Ninguém avisa que a vida adulta tira a sua vontade de viver. Você só existe, cumprindo tabela, sempre preocupada, sempre com pressa, sempre cansada, prometendo para si mesma que vai arranjar tempo para se cuidar, para voltar aos seus hobbies, para ser feliz de novo.

Para ser você de novo.

Amanhã. Semana que vem. Na próxima segunda-feira.

Quando se dá conta, lá se foram meses, anos. Uma vida inteira.

Foi refletindo sobre isso, sobre não me sentir feliz de verdade há pelo menos oito anos, que tive a primeira crise, na volta do trabalho. Taquicardia, dificuldade de respirar, suor frio, sensação de desmaio.

Corri para o hospital, achando que tivesse infartando.

O diagnóstico? Estresse. Saí de lá com a receita de um calmante, que, segundo o médico, me ajudaria a dormir melhor e uma sugestão para "diminuir o ritmo".

Mas aconteceu de novo. E de novo. E de novo. Em intervalos cada vez mais curtos. Apavorada, marquei consulta com uma psiquiatra, que me diagnosticou com transtorno de ansiedade. Por conta da frequência dos episódios, ela prescreveu o tratamento com remédio e sessões semanais de terapia.

Eu chorei muito. De impotência. De vergonha por não controlar meus próprios pensamentos. Por precisar ser medicada. Por medo de que o remédio amortecesse as minhas emoções e me deixasse dopada. Por receio dos julgamentos alheios.

Foi um período caótico.

Ainda assim, segui as recomendações à risca e melhorei nos últimos quatro meses.

Os encontros com Mirela, minha psicóloga, me fizeram encarar o cenário real e admitir o que eu mantinha enterrado no meu coração há tempos: eu não estava vivendo a vida que eu queria, mas a vida que os outros desejavam para mim, e a ansiedade era uma consequência daquilo.

O problema é que não sei como mudar as coisas.

Odeio o meu trabalho, mas não tenho um curso dos sonhos, e encarar uma segunda graduação para ter mais um diploma que servirá como passaporte para outra profissão infeliz não parece a decisão mais inteligente.

Além disso, tem o fator idade.

Se eu iniciar um novo curso universitário agora, vou me formar aos trinta anos. A ideia de começar uma profissão com essa idade é um pouco apavorante, porque, aparentemente, as pessoas já deveriam estar com as vidas resolvidas a essa altura.

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora