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DULCE MARIA SAVIÑON


– Mãe, até quando vai ficar nos encarando desse jeito? – A pergunta de Christopher soa divertida e frustrada ao mesmo tempo.

– Que jeito, querido?

– Como se fôssemos extraterrestres?

– Ainda tenho dificuldades para acreditar que é real. – Tia Ale leva a mão ao peito. – Às vezes, acordo no meio da noite para me certificar de que não foi um sonho.

– Ela não está apenas sendo dramática – avisa tio Rubens. – Ontem, me despertou de madrugada para perguntar se o Christopher e a Docinho são mesmo um casal.

Dou risada, sentindo as bochechas esquentarem. A felicidade com que a mulher recebeu a notícia do nosso namoro foi emocionante. Acho que nem se ganhasse na loteria, ela teria ficado tão exultante.

– Já faz um tempo. Não está na hora de superar, dona Alexandra?

Ela desconsidera o questionamento do filho com um balançar de mão.

– Nunca ouviu dizer que alegria demais dá medo? Quando a esmola é demais, o santo desconfia. – Olha para mim. – Vi essa menina crescer, sempre a considerei como a filha que não tive e descobrir que terei essa preciosidade como nora foi um presente que eu não esperava.

– Ah, tia, assim vou ficar sem graça.

– É a verdade, meu amor. Você sabe o quanto te amo.

– E eu amo a senhora. – Sorrio, esticando o braço sobre a mesa para apertar a mão dela. – É a minha segunda mãe.

– Rubens, não parece que estamos sobrando aqui? – Christopher cruza os braços, intercalando o olhar entre nós duas com uma expressão jocosa. – Quem vê de fora, pensa que o genro sou eu.

O homem mais velho ri, estudando a esposa com carinho.

– Você está ferrado, meu jovem. Quando brigarem, não conte com Alexandra para ficar do seu lado. Serão duas contra um. Tente resolver as coisas sem envolver sua mãe.

Tia Ale me dá uma piscadinha conspiratória, sem negar a acusação. O meu sorriso cresce e eu penso, não pela primeira vez e certamente não pela última, como gostaria que a minha família fosse assim.

Leve, divertida, parceira.

Quando contei sobre a transição de carreira e o intercâmbio, tudo o que recebi foi apoio incondicional. Nada de julgamentos. Inicialmente, ficaram um pouco confusos, porém, assim que expliquei os meus planos, se mostraram orgulhosos por eu estar indo em busca daquilo que me faz feliz.

Tio Rubens ficou especialmente animado, repetindo como sempre achou um desperdício uma alma artística como a minha passar a vida pressa em tribunais.

A reação deles foi um afago na Dulce Maria machucada pelos anos de incompreensão e medo.

Faltam vinte dias para o embarque e não houve qualquer contato dos meus pais. Àquela altura, o silêncio não deveria me magoar, mas magoou. Achei que ao menos dona Blanca me procuraria, considerando a maneira mais receptiva com que recebeu a notícia da minha ida para Londres.

Desconfio que tenha sido uma exigência do meu pai, que ela poderia ter descumprido, se quisesse.

De toda forma, não permiti que aquilo me derrubasse e foquei nos preparativos da viagem. Christopher esteve ao meu lado em cada etapa, resolvendo as burocracias mais chatas para que eu não ficasse sobrecarregada. Ela me ajudou a escolher o lugar onde ficaria e até montou planilha detalhada do quanto poderei gastar por mês para permanecer dentro do meu orçamento.

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