DULCE MARIA SAVIÑON
Eles acham que eu estou aqui para me desculpar.
A maneira como me encaram, sentados no sofá de três lugares à minha frente, relaxados e confiantes, demonstra que a minha presença já era esperada depois do tratamento de silêncio que recebi desde a nossa discussão.
Limpo as mãos suadas na calça jeans e respiro fundo, intercalando o olhar entre os meus pais como se estivesse prestes a confessar um crime hediondo ao invés de compartilhar uma boa notícia.
Poderia contar sobre o intercâmbio somente às vésperas do embarque. Sendo honesta, continuo acreditando que o melhor seria esconder a informação ao máximo para fugir dos embates desnecessários, mas manter o segredo estava elevando muito o meu nível de ansiedade nas últimas duas semanas, então decidi, junto à psicóloga, eliminar esse ponto de estresse para evitar novas crises.
Preciso começar a enxerga-los como pessoas normais, não bicho-papões. Decepcionar os dois não é o fim do mundo e não há nada de errado em seguir um caminho diferente do que eles planejaram para mim.
É a minha vida.
– Você está me deixando nervosa, Dulce Maria.
Cruzo as mãos sobre o colo e fixo a atenção em minha mãe. Por algum motivo, é mais fácil olhar para ela.
– Pensei muito em como e quando dizer isso a vocês, principalmente porque não houve nenhuma tentativa de contato depois do desentendimento que tivemos. Embora eu tenha deixado a porta aberta, vocês nunca a atravessaram, então fiquei bastante insegura. Mas não quero iniciar essa fase da minha vida pisando em ovos e escondendo coisas, como se estivesse fazendo algo errado.
Percebendo que a conversa não está seguindo o rumo previsto, ela lança um olhar de soslaio para o marido, que mantém o dele em mim, a expressão neutra, indecifrável.
– Ganhei uma bolsa para estudar desenho fora do país por seis meses. Depois de ponderar muito, resolvi aceitar. Viajo para Londres no começo de julho.
O silêncio é sepulcral.
Minha mãe não consegue esconder a perplexidade. Os cantos dos lábios do meu pai se repuxam levemente para baixo e, sem emitir uma única palavra, ele se levanta e abandona a sala.
Simples assim.
Fernando Saviñon, o homem que sempre admirei como pai, escolheu ignorar completamente uma notícia que impactará a trajetória da filha apenas porque não concorda com a decisão.
A atitude não deveria me surpreender. A lei do silêncio é utilizada por eles desde sempre. Em vez de conversar, discutir ou até mesmo gritar, ambos costumam demonstrar o desagrado cortando a comunicação verbal com os filhos.
Quando eu era criança, aquilo me apavorava. Ser ignorada por dias é bem pior do que receber um sermão. Eu sempre cedia e pedia desculpa para fazê-los voltarem a falar comigo mais rápido.
Hoje, adulta e com a terapia em dia, consigo ver como a punição é problemática, até meio cruel.
A diferença é que não sou mais aquela menina assustada, louca por qualquer migalha da atenção dos pais. A atitude me entristece e decepciona, mas é uma escolha dele e espero que ele arque com as consequências.
Até dona Blanca parece um pouco desconcertada com a saída abrupta do marido. Pigarreando, ela ajeita os óculos de grau no rosto e me analisa com certa curiosidade.
– Londres? Definitivamente, não é o que imaginávamos. Você se certificou de que não é golpe? A filha de uma conhecida perdeu cinco mil reais para um golpista na internet que prometeu leva-la para trabalhar nos Estados Unidos.

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Acordo de desafetos
RomansaFui criada para ser a filha exemplar, sempre cumprindo expectativas, sem questionar. Mas essa obediência teve um custo alto: uma vida marcada pela ansiedade, um trabalho que me sufoca, e um noivado sem paixão. Tudo desmorona quando pego meu noivo co...