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CHRISTOPHER UCKERMANN

Vou esganar aquela garota!

São quase nove da noite e a irresponsável ainda não voltou.

A mala rosa no meio da sala é a prova de que a visita inesperada de Dulce Maria não foi uma alucinação. Antes fosse. Seria preferível lidar com um problema neurológico a aceitar a possibilidade de dividir o teto com ela.

Depois da sua saída dramática, digna de uma pré-adolescente, segui o meu dia normalmente. Trabalhei, jantei, assisti um pouco de televisão e li dois capítulos do livro técnico de arquitetura que estou quase finalizando.

Tentei ignorar o fato de que havia anoitecido e nem sinal dela.

Dulce Maria é uma adulta de vinte e seis anos e sabe muito bem se cuidar sozinha, embora se esqueça disso às vezes. E eu tenho meus próprios problemas para lidar.

Acontece que sou um homem com alguns princípios.

Ela saiu daqui dizendo que ia beber. Infelizmente, já tive o desprazer de presenciar o estado lamentável em que ela fica quando está embriagada e comecei a me preocupar.

Uma mulher bêbada e desacompanhada é um alvo fácil em qualquer lugar, ainda mais em uma cidade como São Paulo.

Então liguei para a infeliz. Várias vezes. Todas as chamadas caíram direto na caixa postal. Como eu disse, uma irresponsável do caralho que desaparece por mais de oito horas e nem se dá ao trabalho de manter o celular ligado para dizer que está viva.

Irritado, desbloqueio a tela do iphone e procuro o contato de Poncho.

Fala, mano. – Ele atende no terceiro toque.

– Onde aquela desajuizada que você chama de melhor amiga se enfiou? – disparo, sem ao menos cumprimenta-lo.

Há um breve silêncio no outro lado da linha.

Ardilla?

– Quem mais seria? – Suspiro, passando a mão no rosto.

Na última vez que conversamos, ontem à noite, ela estava em casa, no Rio. Por quê?

– Ela apareceu aqui com uma mala e disse que precisava de um lugar para ficar, que não tinha para onde ir. Quando sugeri que fosse para casa dos pais ou da irmã, porque obviamente não tem como dividirmos um espaço tão pequeno, tivemos uma discussão, Dulce Maria deu um chilique e saiu gritando que ia tomar todas. A mala dela continua aqui e faz mais de oito horas que não tenho notícias.

O silêncio do meu irmão agora é mais demorado.

Posso imaginar a preocupação tomando conta de Poncho, já que a fedelha e ele são inseparáveis desde criança.

Não é um comportamento típico da Ardilla. Alguma coisa séria deve ter acontecido. Você tentou o celular dela?

– Inúmeras vezes. Está desligado.

– Essa história está muito estranha. Vou atrás de notícias e já te dou um retorno.

Respiro fundo e massageio as têmporas, sentindo os primeiros sinais de uma dor de cabeça.

– Antes de sair, Dulce Maria falou que ninguém sabe que ela está em São Paulo e me ameaçou para manter o segredo – digo, contrariado.

– Certo.

Poncho encerra a ligação, e meu olhar recai novamente na maldita mala.

Ando de um lado para o outro, imaginando os piores cenários possíveis. E se algum maluco tiver cruzado com ela, visto seu estado de vulnerabilidade e feito alguma merda?

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora