DULCE MARIA SAVIÑON
Estou em Londres há dois meses.Não faz o menor sentido, mas o ponteiro do relógio parece ter voado e se arrastado ao mesmo tempo. Quando estou ocupada com as aulas, absorvendo todo o conhecimento possível, mal vejo as horas passarem. Quando chego em casa, um porão bem equipado e confortável na propriedade de uma simpática britânica de quase oitenta anos, a saudade castiga.
Do Brasil, dos amigos e, sobretudo, dele.
Christopher tem cumprido a promessa de me ligar diariamente, faça chuva ou faça sol. As videochamadas são longas, nunca falta assunto. Ele conta sobre o trabalho, me atualiza a respeito do projeto de reforma da sua casa, que está prestes a começar, vez ou outra pedindo a minha opinião. Eu compartilho as experiências que estou vivendo, envio fotos dos lugares que visito, falo sobre as amizades que fiz no curso.
Tive a sorte de encontrar pessoas incríveis, que, assim como eu, deixaram seus países em busca de um sonho, o que acabou nos aproximando. Uma alemã, uma grega e uma peruana. O nosso quarteto está sempre junto, dividindo as dificuldades e multiplicando as alegrias.
Ter uma rede de apoio está sendo essencial para tornar a minha estadia mais tranquila.
É tudo muito diferente do que estou habituada. As pessoas, o clima, a comida, a cultura. Os desafios são enormes e, às vezes, me pergunto que diabos estou fazendo aqui. A dúvida dura poucos segundos, até eu me lembrar do motivo que me fez cruzar os continentes e voltar à razão.
Além disso, é a primeira vez que moro sozinha. Saí da casa dos meus pais para viver com Paco. Depois, dividi o studio com Christopher por um tempo e, posteriormente, com Poncho. Nunca tive espaço só meu. Embora estar por conta própria seja um pouco assustador, sinto que vou finalizar essa jornada mais madura, forte e independente.
A minha estratégia está sendo viver um dia de cada vez e solucionar os problemas conforme eles aparecem ao invés de tentar antecipá-los. Tem funcionado. A prova disso é que não enfrentei crises de ansiedade desde a minha chegada.
Finalizo o banho e visto o pijama ainda no banheiro para não molhar o carpete que cobre o chão do imóvel. Escovo os dentes, faço a skincare e, antes de ir à sala, pego o celular para conferir se Christopher respondeu a mensagem que enviei há algumas horas.
Nada.
Franzo o cenho, estranhando a falta de contato. Talvez esteja preso em alguma reunião no trabalho, considerando que ainda são quatro da tarde no Brasil.
Abro a geladeira para conferir os ingredientes e começar a preparar o jantar, mas sou interrompida por batidas na porta. Deve ser dona Daisy, a minha locadora. Ela é viúva, mora sozinha e, às vezes, aparece com um pote de comida nas mãos, alegando que fez mais do que consegue comer. Sei que é só uma desculpa para conversar com alguém, então sempre a convido para entrar.
Sendo honesta, eu não acharia nada ruim se não precisasse cozinhar hoje.
Abro a porta e fico absolutamente sem palavras com o que vejo.
Parado diante de mim, deslumbrante dentro de roupas pretas, Christopher me encara com um sorriso largo no rosto.
Pisco, atônita, sentindo o coração acelerar e as pernas amolecerem.
– Estava com saudade, bruxinha?
A voz enrouquecida, com uma leve pitada de diversão, tem o poder de me tirar do torpor. Avanço em sua direção e me atiro em seu colo sem me preocupar com uma possível quebra, enlaçando seu pescoço com os braços e a cintura com as pernas. Christopher ofega com o impacto, mas não tem qualquer dificuldade para me sustentar.
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Acordo de desafetos
RomanceFui criada para ser a filha exemplar, sempre cumprindo expectativas, sem questionar. Mas essa obediência teve um custo alto: uma vida marcada pela ansiedade, um trabalho que me sufoca, e um noivado sem paixão. Tudo desmorona quando pego meu noivo co...