09

62 8 4
                                    

DULCE MARIA SAVIÑON

Estaco no lugar ao sair do elevador e me deparar com uma mulher sentada no chão, com as costas apoiadas na porta do apartamento de Poncho e as pernas esticadas no corredor, mexendo no celular.

– Natália?

Ela parece igualmente surpresa ao erguer o rosto e me ver.

Com uma elegância que causaria inveja até em uma rainha, agarra a alça da bolsa de grife e se levanta, mantendo a coluna ereta. Ela é linda e se porta como uma mulher consciente da própria beleza, além de possuir um senso de moda impecável.

O macacão rosa-queimado, apertado na cintura e mais folgado nas pernas, emoldura o corpo curvilíneo na medida certa e faz um contraste perfeito com o blazer verde-sumo e os scarpins nude.

O cabelo sempre impecável, diferente da última vez que a vi, há mais de um ano, com as pontas mais claras. Os olhos se estreitam com desconfiança e a boca cheia se repuxa para baixo em puro descontentamento.

– Dulce Maria, não esperava te encontrar aqui.

Franzo o cenho, confusa. Christopher não informou à namorada sobre o nosso aranjo temporário.

– Tive alguns imprevistos e estou passando uns dias no studio – explico, cautelosa.

– Mas o Christopher está hospedado aqui! – Sua voz soa um tom mais alto.

Pois é, uma infeliz coincidência.

– Sim, ele está.

Natália abre a boca, parecendo perdida.

– Vocês... Vocês dois... Você e ele...

– O quê? – Ergo uma sobrancelha.

– Vocês estão transando?

– Meu Deus, não! – nego, horrorizada. – Claro que não! Estamos dividindo o espaço, mas cada um em uma cama. Bem longe um do outro. Eu nunca dormiria com um homem comprometido, Natália.

Que tipo de pergunta é essa, pelo amor de Deus?

Mordendo o lábio inferior com força, ela me analisa com minúcia, como se procurasse a verdade em minhas palavras, e então suspira, passando a mão no rosto.

Nunca a vi tão... insegura.

– Desculpa se te ofendi, falei sem pensar. Não estou muito bem.

Noto, de fato, que seu semblante está um pouco abatido. Mesmo maquiada, dá para ver as olheiras arroxeadas se destacando na pele clara.

– Está esperando o Christopher? – pergunto, me aproximando.

– Sim.

– Quer entrar? – ofereço por pura obrigação.

São quase dez da noite, estou sem vontade alguma de fazer sala para a namorada de Christopher depois do jantar horrível com os meus pais, mas seria falta de educação deixa-la do lado de fora.

Digito a senha na fechadura e giro a maçaneta, dando espaço para que ela entre primeiro. Natália apoia a bolsa no balcão da cozinha e vai até os armários aéreos, abrindo um por um.

– Preciso muito de uma bebida.

A atitude me surpreende. Em todas as ocasiões que nos encontramos, ela foi muito educada e contida. Não parecia ser o tipo de pessoa que chegaria fuçando os armários da casa de alguém, como está fazendo agora, mesmo que o alguém fosse seu cunhado.

– Isso aqui vai servir. – Ergue uma garrafa de vinho.

Em seguida, investiga as gavetas até achar o saca-rolhas elétrico e, por fim, pega duas taças. Com tudo em mãos, Natália dispõe os objetos em cima da mesa e abre o vinho com destreza.

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora