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DULCE MARIA SAVIÑON

Depois de quase duas semanas fugindo dos meus pais, inventando pretextos ridículos para não os encontrar, dona Blanca Saviñon começou ficar impaciente.

A última mensagem dela foi um ultimato: se eu não fosse até eles, eles viriam até mim.

Então aqui estou eu, almoçando com os dois em um sábado ensolarado.

Ou melhor, brincando com a comida, porque raramente sinto fome quando nos reunimos. Estou sempre tensa demais para colocar qualquer coisa no estômago.

– Mariana comentou que Paco esteve em São Paulo na semana passada – ela revela, se referindo à mãe dele. – Vocês conversaram? Conseguiram resolver as diferenças?

– Não são diferenças, mãe. Estamos falando de traição e já deixei claro o meu posicionamento sobre o assunto. – Respiro fundo, sabendo o que vem pela frente. – Nós conversamos, sim, e nada mudou. Não existe mais noivado.

– Dulce Maria! – Leva a mão ao peito, dramática. – Vai se arrepender tanto disso, minha filha. Homens como Paco são difíceis de encontrar hoje em dia. Não dá para acreditar que vai mesmo perde-lo por um erro bobo.

– Para mim, não é um erro bobo.

– É, sim! – rebate, alterando um pouco a voz. – Quer saber a realidade? Todo homem trai, mais cedo ou mais tarde. Se está procurando por fidelidade absoluta, vai morrer sozinha. Abriu mão de uma vida confortável ao lado de um médico bem-sucedido por orgulho besta.

A irritação me esquenta por dentro, me sufocando como se duas mãos constringissem o meu pescoço. Uso todo o autocontrole que desenvolvi ao longo dos anos para não responder de forma grosseira.

– Se pensa assim, tudo bem, mãe. Respeito a sua opinião, embora não concorde. Espero que também respeite a minha.

– Como posso ficar parada, apenas assistindo você tomar as decisões erradas? Que mãe faria isso?

– Erradas ou não, são as minhas decisões – argumento, tentando me manter calma e firme ao mesmo tempo. – Assim como você tomou as suas e o meu pai tomou as dele, tenho direito de decidir o que fazer com a minha própria vida, mesmo que me arrependa no futuro.

Vejo a surpresa estampada em seu rosto. Nunca fui tão resoluta em uma discussão. Acabava cedendo, porque odiava confrontos, mas agora é diferente.

Não vou ceder.

Se não começar a me impor, eles nunca vão me respeitar.

Não quero mais viver uma vida que não é minha, ter crises de ansiedade por estar em um trabalho que detesto, permitir que outras pessoas tomem decisões importantes para mim.

As últimas semanas foram incríveis. Fechei várias ilustrações graças à indicação de Christian Chávez e recebi respostas de algumas empresas, aceitando os trabalhos gratuitos que ofereci com o objetivo de diversificar o meu portfólio.

Agora, mesmo quando estou muito cansada, com o pulso e a coluna doendo e a visão embaçada, eu me sinto feliz. Não é um cansaço acompanhado de tristeza, como antes, mas de orgulho. Não vou mais dormir desejando que o dia seguinte não chegue, e sim ansiosa pelos novos desafios que virão com ele.

Nunca mais vou me anular para fazer os outros felizes.

Eu preciso ser a minha prioridade. Devo isso a mim mesma.

– Tudo o que seu pai e eu falamos é para o seu bem – alega, me lançando um olhar duro. – Erramos para que você não precisasse errar. Qual é o sentido de sofrer, se pode evitar?

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora