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CHRISTOPHER UCKERMANN

Não sei o que me perturba mais, o silêncio de Dulce Maria ou os seus olhos vermelhos e inchados.

Desde que entrou no meu carro, há alguns minutos, ela só abriu a boca para se desculpar por ter me feito sair de casa no sábado. Como se dirigir meia hora para busca-la fosse a porra de um incômodo.

O que me incomoda é não saber por que ela chorou.

Obviamente, tem a ver com os Saviñon. Antes de sair para almoçar os pais, notei a tensão que Dulce Maria tentou esconder com sorrisos forçados e frases espirituosas. Eles sempre foram rígidos com a garota, mas a relação parece ter piorado com o tempo.

A crise de ansiedade desencadeada pela entrevista de emprego marcada por Fernando Saviñon foi um exemplo disso.

– Vai me contar o que aconteceu?– pergunto, aproveitando o semáforo fechado para olhá-la.

Ela respira fundo antes de virar o rosto para mim.

Finalmente, porra.

– Vou, só não quero falar sobre o assunto agora. Ainda estou um pouco emotiva e não quero começar chorar de novo.

A parte controladora que existe em mim protesta, exigindo saber cada detalhe do maldito almoço, nem que para isso precise pressioná-la, mas luto contra. Dulce Maria já está chateada o suficiente, não precisa lidar com um idiota incapaz de respeitar os seus limites.

– Não fica chateado – pede, procurando a minha mão direita para entrelaçar os nossos dedos.

– Não estou – garanto, beijando o dorso da dela. – Estou preocupado.

A confissão arranca um sorriso tímido, mas verdadeiro, dos lábios bonitos.

– Não precisa se preocupar, vou ficar bem. Eu sempre fico. – Puxa nossas mãos unidas para apoiar a bochecha, esfregando o rosto nos meus dedos, como se precisasse de contato. – Obrigada por ter vindo me resgatar. Fiquei tão nervosa que nem cogitei pegar um carro por aplicativo. Sei que gosta de descansar nos finais de semana e...

– Pare de me agradecer e de se desculpar. Você estava chorando, claro que eu viria.

Seu olhar se torna mais intenso, curioso. Ela abre a boca, mas fecha em seguida.

Sou obrigado a quebrar o contato visual e afastar a mão do seu rosto quando uma buzina impaciente ressoa atrás de nós, indicando a abertura do sinal. Dou partida no carro, com uma ideia fixa na cabeça.

Dulce Maria precisa de uma distração e, por acaso, tenho algo que pode servir como uma, não muito longe daqui.

Mudo a rota e, se ela percebe que não estamos a caminho do studio, não comenta nada, perdida em pensamentos. O trânsito relativamente tranquilo colabora para chegarmos ao destino em poucos minutos.

Somente quando estaciono em frente à casa, ela parece se dar conta de onde estamos e, depois de estudar a rua através da janela do carona, me encara com a testa franzida.

– Por que paramos aqui?

– Quero te mostrar uma coisa. – Desafivelo o cinto de segurança. – Vamos?

Não dou espaço para mais perguntas, saindo do carro com a certeza de que serei seguido. A confusão em seu rosto é impagável, e tenho que me esforçar para não rir da hesitação com que caminha em minha direção e percorre, ao meu lado, os últimos metros até o imóvel de aparência decadente.

Quieta, Dulce Maria me observa tirar a chave do bolso e enfiar na fechadura vela. O portão enferrujado precisa ser empurrado com força para abrir, soltando um rangido sinistro no processo. Gesticulo para que entre primeiro, testemunhando os olhos castanhos aumentarem de tamanho, desconfiados.

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora