32. Sororidade

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Após a gira, Anna de Oxum, Ariane de Iansã, Evan de Oxóssi, Apolo de Xangô e cada um fazendo seu agradecimento, Ariane por ter conseguido se formar, Evan por ter conseguido se aproximar de sua espiritualidade, Apolo por ter conseguido sair um pouco da bolha e construir uma família, enquanto Anna parecia não saber o que agradecer... pois já não sabia o que era mérito seu, benção das divindades, ou puro destino.

Ariane: O que foi mana?

Anna: Sei lá... agradecer por ainda não ter morrido depois de tudo que to passando talvez...

Ariane: Isso é lindo... a vida é uma dádiva.

Anna: A minha eu não sei não...

Ariane: Sabe sim, primeiro que tá agradecendo por estar viva, segunda por ser verdade, você está viva, se não fosse uma dádiva, você talvez já tivesse decidido colocar um fim nisso.

Anna: Eu só não tenho coragem... o que também não é uma dádiva.

Ariane: O medo é um preconceito que te protege e te limita. É como a fome e a saciedade, você não saberia que precisa comer sem a fome, e que já basta de comida sem a saciedade. O medo serve pra te proteger de coisas perigosas, mas dependendo do contexto, ele pode te limitar de viver coisas incríveis. Então que bom que você tem medo, significa que seu senso ainda está ao seu favor, que no fundo você sabe que tudo vai se encaixar e você vai voltar a brilhar...

Anna: Você é boa mesmo (risos)

Ariane: Obrigada! (risos) mas não é difícil perceber e ter empatia pelas pessoas, principalmente quando elas tem a áurea suave como a sua, eu sei que você é uma pessoa incrível Anna, e que vai superar tudo isso e vamos rir tomando um vinho barato, e talvez até mesmo agradecer por ter sido tudo exatamente como foi, toda experiência vale a pena no final. E aí, pelo que você vai agradecer?

Anna: Estar viva... seja como for, eu consegui muita coisa sozinha e também acompanhada, foi intenso e é como uma aventura que nem sempre gosto do que descubro, mas sempre tem coisa nova pra descobrir.

Ariane: Isso! Isso mesmo! Você é inteligente! Eu sei que vai saber o que fazer, porque não importa se der errado, pois o errado também ajuda a gente saber como não fazer e planejar uma nova rota.

Anna: É necessário dar errado as vezes, né...

Ariane: Muitas vezes inclusive, principalmente quando o objetivo final é complexo... mas você vai conseguir com exatidão, se não desistir.

Anna: Obrigada. Mal te conheço e parece que posso confiar vendada.

Ariane: Porque você pode. Aqui, sendo honesta comigo, você só vai encontrar parceria e lealdade.

Anna: Consigo sentir isso. Vamos nos dar muito bem... eu queria só ter te conhecido antes...

Ariane: Isso não muda muito, eu to aqui agora e daqui vamos fazer algo legal e vai ser minha vez de contar minha história.

Anna: Perfeito! Com certeza, tudo que eu preciso... um rolê só meninas!

Após as entregas, Anna avisou Evan sobre sair com Ariane e foram pra um deck na beira mar e levaram cartas de tarô, lanche e uma caixinha de som. Passaram a noite conversando e se reconectando com a espiritualidade também de certa forma, Anna ficou sabendo toda a história da vida de Ariane, uma mulher de família humilde, que por anos foi subjugada por ser mulher, pobre, e com um pequeno vicio em maconha.

E mesmo demorando pra passar no concurso da área desejada após finalizar o ensino médio, conseguiu ser a primeira de sua linhagem a entrar numa faculdade federal, se formar, trabalhar em sua área sem ajuda de ninguém além de uma mísera pensão do seu pai que se não fosse pela justiça a qual ela também batalhou sozinha nem isso teria, o cara ganha bem, mas nunca a teve como prioridade...

E como se já não bastasse, sua família materna a qual cresceu dentro havia muitos conflitos, ninguém a respeitava em seu espaço e singularidades, por tanto Ariane por muito tempo exalava essa necessidade de se expressar através de sua autoimagem, pintava e cortava seus cabelos de todas as formas, fez parte de esportes e bandas de rock, saía sem hora pra voltar pra lugares de sanidade duvidosa e ainda assim, nada disso tirou dela o principal: sua mente brilhante.

Ariane sempre foi especial, quieta, falava quando tinha que falar, tentava compreender o próximo e sempre disposta a ajudar, isso mostrava sua grande capacidade em lidar com tudo na vida, mesmo sozinha. Ela teve um amor, um primeiro amor, chamado John, que passava por coisas similares ou piores, mas ele não tinha a mesma mente brilhante que ela, e na mente dele, o melhor caminho foi encerrar seu próprio ciclo.

Foi quando tudo mudou em sua vida, e ela percebeu o quanto vale a pena continuar, todos os dias sentindo a falta de seu primeiro amor, ela sentia empatia pela decisão dele ainda que sentisse a dor de sua partida, isso a fez escolher lutar pelo seu destino pra que ninguém ao seu redor sentisse sua dor, e também pra provar a si mesma que não estava errada quando decidiu por várias vezes não ter o mesmo fim.

Ariane e depois de tudo isso conheceu Aron, que foi um rapazinho mimado e invejoso, que vivia na escuridão das trevas do ódio normalizado dentro do seu lar, que ao ver a luz da mente brilhante de Ariane brilhar se sentiu ofuscado, aquela dor de abrir a janela quando trancado num quarto escuro por muito tempo, incomoda, não é mesmo? Assim é a inveja, ele a queria, queria o que ela tinha, o que ela conquistava, mas não a amava. Ele e sua família falavam mal dela ainda por cima sem o menor pudor e senso.

Aron tirou bons traços de saúde mental de Ariane, que como sempre, só queria ajudar. E ainda assim, ela conseguiu se formar. Ser presente como amiga, filha, namorada, estudante, cidadã, o problema era com tudo isso deixar o tempo que restava para ser mulher, se auto cuidar. Que é na verdade o mais importante, e não egoísmo. Ao se libertar das manipulações de Aron, Ariane se viu de forma clara no espelho pela primeira vez...

E ela viu a primeira linhagem de sua família, dentro da sua realidade, formada, com carro próprio, sem filhos, sem escândalos, sem depender de ninguém (ainda se dispondo a ajudar), linda, jovem, inteligente, amável e principalmente depois de tudo, indestrutível. Ela é extremamente foda, a mulher mais incrível e admirável que Anna poderia conhecer, ela com certeza tinha sido abençoada por conhece-la. John com certeza aprendeu a lição. E com certeza todos os dias quem conhece Ariane agradece a sua garra de persistir, pois ela conseguiu. Com certeza faria muita falta se fosse diferente.

Ariane: E quantas pessoas geniais você já conheceu que não se deram a chance de continuar?

Anna: Ou quantas já morreram tentando e nunca conseguiram nada?

Ariane: Nem sempre conseguir é o ponto final, as vezes tentar já é tudo que você consegue e isso já vale a pena. Quantas coisas eu aprendi só de me permitir tentar... e claro, consegui esporadicamente pois as coisas poderiam dar errado mesmo assim, a vida é uma variável onde tentar se equilibrar é o prazer de estar vivo. Como aqueles brinquedos que te chacoalham mas é divertido ficar sentado, como cair, até mesmo se você se machucar sai dele sem se importar muito. Só pela experiência.

Anna: Falando parece tão mais suave, viver isso que me sufoca.

Ariane: Eu sei, de verdade. Eu estudei muita coisa e ainda assim não me tornei um robô com sangue de barata, eu sou ariana amiga. (risos) Primeiro eu explodo, depois eu lembro da matéria (risos escandalosos).

Anna: Eu já sou o contrário, eu analiso tudo muito bem, e fico me satirizando com toda a informação. Me canso mentalmente e paraliso sem hora pra voltar.

Ariane: Cada um tem sua forma de responder aos traumas, mas sabia que essa além de ser a mais comum, é a que mais te protege? Você se isola, evita mais confusão e com o tempo vai se curando e percebe que aquilo já não vai mais te machucar porque você já viveu e seu corpo já entendeu aquele sentimento, não é mais como a birra de uma criança, é como a dor de não poder levar algo do mercado, quando criança você nem tem ideia que no futuro isso vai ser totalmente ok.

Anna: Mana, tu parece um anjo falando (risos). De verdade, obrigada por tirar do seu nobre tempo pra essa mísera alma sedenta de cura (risos).

Ariane: Eu tenho tanta coisa pra te falar que só em uma noite não cabe.

Anna: A gente devia ter mais noites assim então!

Deixa Acontecer MacumbalmenteOnde histórias criam vida. Descubra agora