Laura Mendonça.
A comida estava muito boa, especialmente porque estava desfrutando do meu silêncio, apreciando apenas a paisagem dos trabalhadores andando pelo lugar me cumprimentando. O sol não estava forte, por ser de manhã, a brisa estava fresca e havia uma boa sensação no ar, meu ânimo estava bom hoje, não tenho do que me queixar... Bom, essa cadeira ainda me incomoda, mas fazer o que não é.
Uma das empregadas tirava a mesa, após perceber que eu havia terminado de comer, pedi-lhe que me trouxesse um livro lá da biblioteca, nada melhor que ler para passar o tempo. Enquanto a mulher jovem levou uma parte da louça eu continuei olhando para os trabalhadores, que saudade de andar pelo campo sentir o capim entre os dedos, me lembro do quanto era feliz fazendo isso, correndo por aí como uma alma livre e impedida, de sentir o vento bater em meu rosto, enquanto cavalgo por toda a fazenda, esse tempo terminou né... Sinto meu telefone vibrar sobre a mesa, ao olhar vejo na tela o nome Pê, ou seja Pedro, ele é um amigo meu de longa data, mas eu não vou atender não estou com vontade de o ouvir, não agora.
Logo a empregada chegou me dando o livro que pedi agradeço e o abro para começar minha leitura, meus olhos brilhavam ao olhar para as letras que marcavam o papel, mas minha felicidade e paz não demoraram muito com a chegada de Marta, era só o que me faltava.
- Bom dia Laura.
Desvio meu olhar do livro que era muito mais interessante do que conversar com ela, são dez da manhã e ela nem se preocupa com nada, em trabalhar ou em fazer algo de jeito.
- Bom dia.—falo sem nenhuma emoção em minha voz.—chegou tarde de novo.
- Sim—sorriu.—estava em uma festa com amigos da faculdade.
- Claro.
Admira-me que ela estude...
- De vez em quando é bom sair.—sorri.—e então o novo enfermeiro?
- Se deste conta ainda não chegou e se não chegar melhor ainda.
Volto a encarar o livro, cansada já de falar com Marta.
- Não sejas amarga, talvez seja bom ver um homem ao invés de uma mulher, deve ser chato ter sempre alguém para te ajudar com fisioterapia.
- Por que não te calas hein!
- Porque não quero!
Está garota me tira do sério, ela poderia ir para qualquer lugar da casa mas prefere me atormentar e me lembrar que estou nessa cadeira, como se estivesse em uma prisão, se gabando de suas saídas e do seu divertimento, quase me chamando de inútil. O nosso bate boca continuaria se Maria não chegasse, ela estava acompanhada por um homem que, à primeira vista, não parecia ter o perfil que eu esperava de um enfermeiro.
Ele era alto, mais alto do que a maioria das pessoas que eu conhecia, com ombros largos e postura confiante. Tinha os cabelos escuros, um tanto desgrenhados, como se ele não se importasse muito com a aparência, cabelos meio lisos, não era comum angolanos terem cabelos assim ou ele utiliza algum produto. A barba por fazer acrescentava uma certa rudeza ao seu rosto, mas era o olhar dele que mais me chamou a atenção. Seus olhos eram de um tom de castanho, profundos, intensos, e havia algo neles que misturava um ar de deboche com uma seriedade quase desconcertante.
Só faltava Marta babar, de tanto que olhava para o homem, o que me fez revirar os olhos, ele não era grande coisa.
- Senhora Laura, este é o senhor Leonardo Monteiro, o novo enfermeiro.
Ele me olhou por um momento, como se me avaliasse da mesma forma que eu o estava avaliando. Não havia aquele sorriso educado ou formalidade no comportamento dele, o que me surpreendeu. Em vez disso, ele parecia à vontade, quase relaxado, como se estivesse em um ambiente familiar, e não no seu primeiro dia de trabalho em uma casa estranha.
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Além Do Toque
RomanceNo coração do Bengo (Angola), em uma vasta e próspera fazenda chamada "Fazenda Nova Esperança", a vida de Laura Mendonça, uma jovem de 20 anos, mudou drasticamente após um trágico acidente de cavalo. Outrora uma jovem cheia de vida e paixão pela equ...