A tensão no palacete era quase palpável, como se pudesse ser tocada no ar pesado que dificultava até a respiração. O frio do inverno parecia interminável, pressionando contra as janelas e se infiltrando por cada pequena fresta, como se nunca fosse embora. Eu me refugiava na biblioteca, cercada pelos móveis de madeira escura e os livros antigos que tanto amava, mas nem isso conseguia silenciar o caos na minha mente.
Apollo, o único ser que parecia compreender meu tormento, ronronava suavemente em meu colo. Eu passava os dedos pelo seu pelo macio, tentando encontrar algum consolo no ritmo constante de sua respiração. Mas, por mais que tentasse me concentrar nesse gesto simples, minha cabeça não parava de girar, como uma tempestade de pensamentos desconexos e angustiantes.
Tudo começou com aquela maldita conversa com Madalena. Desde então, a ideia de bebês — uma vida estável, comum — se instalara em mim como uma sombra que eu não conseguia afastar. E para piorar, o Grão-Duque havia insinuado que eu estava praticamente casada. Casamento. A palavra martelava na minha mente como se não houvesse escapatória, oscilando entre um sonho distante e uma realidade que eu não sabia se estava pronta para aceitar.
O pior de tudo era o dilema que me consumia. De um lado, o sonho de uma vida independente, com a honra de ser uma ferreira reconhecida, respeitada na corte, elogiada pelo mestre de armas do rei. De outro lado, Lucien. O homem que me salvou, que me mostrou o que era amor e devoção, mesmo que de uma forma que eu jamais imaginei conhecer. Seria traição deixá-lo depois de tudo o que passamos? Depois de tudo o que ele fez por mim?
Mas, como poderia também recusar o pedido do príncipe? A oportunidade de ser alguém, de alcançar o poder e o reconhecimento que eu tanto sonhei? Se eu fosse à capital, seria marcada como a mulher que rejeitou o príncipe, alguém para ser desprezada e rejeitada por uma sociedade que mal conhecia. A escolha pesava sobre mim, sufocante.
Soltei um suspiro pesado, sentindo meus pensamentos rodarem em círculos sem fim. Apollo, até então calmo, começou a se mexer, irritado com a minha indecisão. Ele ronronou baixinho, quase como um sinal de descontentamento, e com um salto ágil, deixou meu colo. Vi quando ele caminhou lentamente em direção à porta entreaberta da biblioteca.
— Não... não vá, Apollo — murmurei, com a voz cheia de súplica. — Por favor, não me deixe sozinha.
Era patético, eu sabia, implorar para que um gato não me deixasse sozinha. Mas naquele momento, a solidão era insuportável. E ele, indiferente aos meus pedidos, simplesmente desapareceu pela porta. O vazio ao meu redor ficou ainda mais esmagador.
E então, as lágrimas começaram a cair. Primeiro em silêncio, quentes contra meu rosto frio, mas logo se transformaram em soluços pesados que não consegui controlar. Abracei meus joelhos, sentindo a culpa crescer e apertar meu peito. Eu me perguntava: será que estava realmente pensando em Apollo? Ou era Lucien quem eu temia abandonar?
"Lucien deve estar arrasado." Só de pensar nisso, meu coração se partia. Ele, que me amou e me protegeu, que dedicou tanto de si para me manter segura. Eu sabia que a decisão já estava tomada dentro de mim, e a culpa por isso me devorava por completo.
Com o rosto enterrado nas mãos, deixei meu corpo se render ao choro. A verdade era que eu já sabia o que precisava fazer. Sabia que, no final de tudo, minha escolha já estava feita — mesmo que eu ainda não tivesse coragem de admiti-la.A dor me consumia de tal forma que nem percebi os passos de Lucien se aproximando. As lágrimas que escorriam pelo meu rosto pareciam infinitas, como se toda a culpa, a angústia, e a confusão que eu vinha acumulando por tanto tempo tivessem finalmente encontrado uma válvula de escape. Sentia-me despedaçada, e, no meio daquele turbilhão de emoções, uma mão suave pousou sobre o meu cabelo, trazendo-me de volta à realidade.
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The Belle
Random[ CONCLUÍDA] Em um vilarejo onde as sombras guardam segredos e o passado se recusa a ficar enterrado, Isabelle é uma jovem marcada pela tragédia, vivendo à margem da sociedade que a rejeita. Seu único desejo é encontrar independência e reconheciment...