Capítulo 26

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Eu estava mergulhada na água quente da banheira, o ambiente iluminado apenas pela luz suave da lua e por algumas poucas velas, cujas chamas criavam sombras dançantes sobre a água. Meu corpo estava relaxado, todo o meu tronco escorado em Lucien, que me abraçava por trás, aquecendo-me ainda mais do que a própria água. A sensação dos braços firmes dele ao redor da minha cintura trazia um conforto que costumava me fazer dormir logo após me entregar a ele. Mas naquela noite, algo era diferente.

Mesmo envolta pela água quente e pelos carinhos de Lucien, minha mente não parava. Meus pensamentos estavam agitados, inquietos. Suspirei profundamente enquanto ele mexia delicadamente em meu cabelo. O toque deveria me acalmar, mas ao invés disso, senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto, sem nem perceber.

As palavras que trocamos mais cedo ecoavam na minha mente. A confissão de Lucien, de que ele não poderia voltar à capital por representar um risco para os moradores, parecia absurda. Patético, pensei, sem acreditar no que ele dizia. Para mim, Lucien não era um monstro. Não enquanto eu pudesse oferecer meu sangue para saciar sua fome, não enquanto eu pudesse mantê-lo satisfeito e feliz. Ele não era um perigo, não enquanto fosse tudo para mim.

Mas, parecia que para ele e para a dura realidade de seu mundo, não havia outra escolha. Ele se via como um risco, como alguém destinado a ficar isolado, longe de tudo o que eu ansiava para minha própria vida. A incerteza sobre o futuro, a possibilidade de que eu teria que deixá-lo para seguir meus sonhos, era uma tortura silenciosa que crescia dentro de mim.

Quebrando o silêncio, deixei minha voz baixa e hesitante escapar.
— Como isso começou, Lucien? Como você se tornou... quem você é?—  Minhas palavras pairaram no ar, interrompendo o som tranquilo da água.

Senti Lucien parar o carinho em meu cabelo por um instante. Ele ficou em silêncio, surpreso com a minha pergunta. O tempo parecia se arrastar até que, finalmente, ele falou, sua voz ecoando suavemente pelo ambiente, carregada de memórias.

— Foi há muito tempo…— ele começou, e pude sentir a amargura em suas palavras. — Quando eu era jovem, havia uma lenda que circulava entre os membros mais velhos da família da minha mãe. Eles diziam que uma linhagem monstruosa corria nas veias da família do meu pai. Acreditavam que o casamento dos meus pais foi um erro, que minha mãe jamais deveria ter se unido a ele.

Ouvi cada palavra com atenção, sentindo o peso da história dele se derramando sobre mim.

“ Eu era apenas um garoto e não acreditava naquelas bobagens. Ainda que houvesse algo estranho na forma como os parentes do meu pai agiam... como se moviam nas sombras, como seus olhos brilhavam em cobre sob a luz das velas... Eu nunca pensei muito sobre isso.”

Ele fez uma pausa, como se estivesse revivendo memórias dolorosas.

“Quando cheguei à idade adulta, meus pais sofreram um terrível acidente. Nenhuma das duas famílias quis ficar comigo. Quem iria querer um garoto supostamente amaldiçoado? — Ele suspirou profundamente. — Ou talvez, quem iria querer um garoto que ainda não havia despertado essa maldição.”

Meu coração apertou. Ouvir sobre a rejeição e a solidão que ele enfrentou quando ainda era tão jovem fez com que eu visse Lucien sob uma nova luz. Ele não era apenas o ser sombrio que eu conhecia agora; ele era alguém que havia sofrido, que foi moldado por uma vida de isolamento.

“Madalena foi a única que me acolheu — ele continuou, sua voz suavizando ao falar dela. — Ela era fiel à família de minha mãe, que a havia resgatado de ladrões. Quando todos os outros me abandonaram, ela ficou. Não sabia, na época, que acabaria sendo a figura materna que eu teria.”

Me mexi levemente na água, virei a cabeça só o suficiente para olhar para ele por cima do ombro. Seu rosto estava envolto em sombras, mas seus olhos brilhavam, refletindo uma dor antiga que ainda ardia dentro dele.

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