9| EU NÃO ESTOU PREPARADA

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Não sei se em outras famílias as tradições também eram estabelecidas assim mas na minha, com certeza, alguém sair do hospital e no dia a seguir outro ir para lá, já deveria ter se tornado uma.

Eu era três anos mais nova que minha irmã Lúcia e, mesmo não adoecendo muito, pois sempre fomos muito bem cuidadas e protegidas por nossos pais, se uma de nós ficasse doente a outra logo adoecia depois de a  outra estar curada.

Houve uma vez em que eu fiquei doente, depois a Lúcia e depois até a mamãe passou duas semanas com angina instável sem alteração no segmento ST, isso é, ela estava com fortes dores no peito, falta de ar mas não era grave ao extremo de afetar os vasos sanguíneos lhes causando alterações.

Durante o caminho contei isso para Henrique e ele disse que poderia ser só uma boa sequência de acontecimentos de mal gosto do destino e que agora tudo estava se repetindo.

Eu sei que ele talvez disse aquilo para me acalmar, visto que eu estava impaciente no banco olhando para as horas a todo momento para que chegássemos logo ao hospital.

Ele claramente tentava me distrair no caminho até ao hospital mas eu fiquei por respostas curtas e um pouco secas, ainda assim devia um obrigado a Henrique por ter aberto um pouco as janelas para entrar ar fresco. Aquilo realmente me ajudou a acalmar, mesmo que continuasse a me perguntar o que poderia ter acontecido á meu pai.

Quando chegamos, recebemos o número do quarto em que ele foi hospitalizado e seguimos depressa até lá. Encontramos minha mãe junto a cama onde meu pai estava com uma das pernas engessada e elevada.

— Papai! — Me joguei nos seus braços da maneira mais desengonçada possível para o abraçar, não levando em conta que ele poderia sentir dor em alguma outra parte do corpo.

— Filha que bom que está aqui.

— Sim papai eu estou aqui, estou aqui para o senhor, para os dois — disse olhando para o rosto de minha mãe que ainda expressava preocupação mas mantinha sua atenção em algo por cima do meu ombro — Papai, mamãe eu trouxe um amigo comigo, na verdade foi graças a ele que consegui estar aqui tão rápido.

Fiz sinal para que Henrique se aproximasse e ele cumprimentou meus pais com um aperto de mão e outro aceno respeitoso.

— Senhores, meu nome é Henrique Monteiro. Muito prazer.

— Seja bem-vindo meu filho, obrigada por ter trago a Sam o mais rápido que pôde. — foi o meu pai a responder primeiro, ele passou a mão por cima dos meus cabelos castanhos que estavam presos em um rabo de cavalo.

— Muito prazer Henrique, me desculpe pelo incómodo. Meu marido só sabe trazer preocupação para todos nós.

Eu e Henrique dividimos uma pequena risada e meu pai bufou em descontentamento antes de começar longos pretextos para se defender, dizendo que além de preocupações também era por ele que minha mãe por pouco não caiu pela janela do comboio em andamento no dia em que se conheceram e assim passamos quase duas horas ouvindo o que meus pais diziam, dividindo uma gargalhada aqui e outra ali com as peripécias imaginadas que ouvíamos.

Em algum momento Henrique ficou olhando para o celular constantemente e eu entendi que talvez estivesse abusando da sua boa vontade e ele ainda teria coisas para fazer e eu também, precisava falar com Camilo, afinal ele é meu chefe, ligar para Eunice e saber como estavam as coisas no lado dela, de certeza eu tinha um monte de mensagens do Sandro e da Bianca para responder.

Aposto até que, no tempo em que estive fora eles conseguiram discutir ao ponto de bater um no outro sem que eu pudesse impedir como normalmente fazia.

E não podia esquecer do meu cavalheiro misterioso. O que será que ele deve ter pensado sobre o meu sumiço? Preciso conferir mais tarde, agora precisava livrar meu novo membro do círculo de amigos das histórias intermináveis dos meus pais e, ninguém melhor para me ajudar nisso do que minha irmã Lúcia que entrou para a sala aos empurrões, literalmente.

— Papai eu cheguei. Estou aqui, o que aconteceu? — ela perguntou aos berros, inconsolável.

— Venha ver Lúcia, seu pai quebrou o pé quando tentou fazer manutenção no telhado de casa sozinho. — minha mãe expressou uma careta engraçada, eu aproveitei o momento e me levantei.

— Papai, mamãe, agora que a Lúcia chegou eu e Henrique temos de ir.

Tentei explicar. Agora era minha irmã que estava jogada nos braços do nosso pai e parece que só então percebeu Henrique logo ao lado.

— Uh, é comprometido?

— Ao que tudo indica sim. Senhor e senhora Borges espero que passem bem, porém agora eu preciso me retirar.

"Ao que tudo indica"? Eu estou ficando surda ou poderia jurar que ouvi ele dizer sim.

Saímos do quarto de hospital e caminhamos juntos para fora e só quando chegamos ao estacionamento Henrique quebrou o pequeno silêncio que se instalou.

— Sempre pensativa?

— Uh... Ah, sim. Eu ainda tenho muito que fazer depois de ontem, acho que terei que falar com Camilo ainda hoje, amanhã levar o atestado médico aos serviços do RH, e fim...

A tarde começava a se despedir e o clima já estava bem mais frio do que antes. Coloquei as mãos nos bolsos e mordi o lábio inferior sacando atentamente a Henrique que se escorrou na porta do carro também com as mãos postas dentro dos bolsos do sobretudo que usava.

Era de mim ou realmente toda roupa lhe ficava bem.

Me lembrei de mais cedo quando o encontrei sem camisa e de calça moletom borrado com um pouco de tinta, as imagens invadiram a minha cabeça sem o meu consentimento e eu senti como se fosse desmaiar pela tontura subida que veio logo a seguir.

Rapidamente Henrique se aproximou de mim e me envolveu com seus braços, uma pontada de dor na cabeça me fez perder a visão por alguns segundos e até poderia apostar que fiquei sem ouvir o que Henrique dizia.

— Você está bem? Me diga que assim aproveitamos que estamos de frente ao hospital.

Deixei que ele me envolvesse e uma fina e aguda onda de arrepios devastou a minha coluna quando fomos atingidos por uma rajada de vento forte. Aproveitei que o mal estar tinha passado tão rápido quanto chegou e usei  isso como desculpa.

— Sim, eu estou bem. Não precisa se preocupar, eu não preciso voltar ao hospital por causa de uma pequena ventania, estou com um pouco de frio, penas isso.

Nos momentos seguintes Henrique se afastou e eu notei que havia enlaçado a cintura dele com meus braços, ele tirou o sobretudo que usava e o jogou por cima dos meus ombros com uma delicadeza surpreendente.

Me assustava saber o quão bom e generoso ele estava sendo comigo. Mas não reclamei e assim ele me levou até casa.

— Eu não estou preparada para encontrar seja lá o que for...

— Eu não estou preparada para encontrar seja lá o que for

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