☆ Capítulo < I >

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Capítulo 1 - Sombras em Wraith Hollow




Wraith Hollow poderia dizer que era um local esquecido pelo resto de Londres. Uma cidade pequena sem importância no mapa da Grã-Bretanha, mergulhada em prol de pobreza e sujeira.

Suas ruas eram estreitas e frias, com casas de tijolos velhos, manchados pela umidade e pela passagem do tempo. O bairro era sempre envolto em uma neblina cinzenta, onde o clima era sempre úmido e sombrio, como se o próprio céu acima tivesse desistido de trazer luz para aquele lugar. Ali, cada esquina parecia esconder histórias de dor e solidão, e as pessoas que ali viviam andavam cabisbaixas, como se suas vidas não tivessem mais significado algum para elas.

Dentre todos eles, um se destacava. Zachriel, de cinco anos, era um garoto de cabelos castanhos claros, quase semelhante a loiros, e olhos cinzentos profundos, quase negros. Ele vivia nessa cidade esquecida pelo resto da sociedade britânica, em um pequeno apartamento no último andar de um prédio que parecia desmoronar a cada sopro de vento.

Seu quarto era pouco mais do que um espaço vazio, com um colchão fino no chão e um velho armário de madeira. As paredes eram manchadas pela sujeira e pela umidade da chuva, e o teto apresentava rachaduras, mas, para ele, aquele era o único lar que conhecia. Zachriel se mantinha ali, girando o ursinho de um lado para o outro, tocando o brinquedo repetidas vezes, o único amigo naquele quarto pequeno. Aquele movimento repetitivo e o leve som dos braços do urso pareciam lhe trazer algum alívio.

Ele sempre contava ao urso sobre as rachaduras nas paredes e nas pequenas linhas que observava no teto, memorizando cada uma como parte do que ele chamava de "as coisas seguras". Não eram muitas. Ele sabia exatamente quantas manchas escuras cobriam o teto acima do seu colchão, e o ritmo constante de contá-las, de certo modo, o acalmava.

Foi então que o silêncio pesado foi interrompido pelo som de passos trôpegos que ecoavam pelo corredor. Ele apertou o ursinho contra o peito, tentando se concentrar nos detalhes conhecidos de seu quarto para afastar o medo crescente.

— Zachriel! — A voz áspera da mulher cortou o silêncio, arrastada e rouca. Ele já podia sentir de longe o cheiro de álcool, aquele que parecia impregnar até as paredes.

— Onde você se meteu, seu pirralho ingrato?

Ele não respondeu. Seus olhos fixos no ursinho, ele balançava levemente, como se isso pudesse o esconder do mundo. Para ele, qualquer tentativa de resposta poderia tornar as coisas piores, e ficar quieto o máximo que pudesse era como ele lidava com isso. Mesmo assim, o coração martelava.

Os passos dela se aproximaram, e ele pôde ouvir o resmungo baixo.

— Você me ouve, não é? — A porta do quarto se abriu de repente, e ela apareceu, sua mãe, Katherine, com olhos semicerrados, injetados. As roupas estavam amassadas e a pele tinha um cheiro azedo e amargo.

Zachriel sentia cada detalhe com uma intensidade que não conseguia expressar: o cheiro, a luz mortiça que invadia o cômodo, o frio do chão sob seus pés. Ele tentou sussurrar, quase para si mesmo.

— Mãe... eu só estava aqui, quietinho.

Ela soltou um riso amargo.

— Quietinho? Você nunca faz nada de útil. Só me atrapalha, me suga...

Ela se aproximou, e ele recuou instintivamente, encolhendo-se contra a parede. Ele tentava se concentrar em algum ponto fixo para não se perder naquela sensação de terror que aumentava.

— Eu... eu não fiz nada, mãe — ele balbuciou, tentando se tornar ainda menor, os olhos arregalados de medo, mas ainda buscando alguma compreensão. Era como se ele procurasse em algum lugar dentro dela a mãe que ele conhecia antes.

Ela balançou a cabeça, desdenhosa.

— Nada? Essa é a questão, Zachriel. Você nunca faz nada de útil!

Antes que ele pudesse responder, ela se afastou, tropeçando e murmurando palavras incompreensíveis. Ele se recolheu mais uma vez, enquanto as lágrimas desciam lentamente por seu rosto, e, de forma quase automática, começou a contar as manchas na parede para tentar se acalmar. Seu coração batia tão rápido que ele não conseguia se ouvir contando, mas os números estavam lá em sua mente.

Ele levantou-se devagar e caminhou até o armário, sabendo que ali dentro o mundo de fora não o alcançaria. Era seu refúgio. Sentado com o ursinho, ele começou a balançar de um lado para o outro, murmurando baixinho.

— Um, dois, três..., sessenta e seis, cento e três... mil e duzentos e trinta...

Esse era seu jeito de ficar seguro, de manter tudo "organizado" dentro de sua cabeça.

Algum tempo depois, quando o silêncio finalmente reinou, ele abriu a porta do armário e espiou para a sala. Viu sua mãe com um homem desconhecido, ajoelhada, enquanto ele segurava seus cabelos de maneira rude. A cena parecia lenta e pesada aos seus olhos, e, por mais que tentasse desviar o olhar, não conseguia. Era uma imagem que ficava gravada em sua mente, e ele se concentrava no ursinho para suportar.

Cenas como essa eram comuns desde que sua mãe começou a se perder naquele mar escuro de álcool e drogas. Ele via homens entrando em casa e saindo horas depois, e sua mãe sempre dizia que ele não devia sair do quarto para não interromper. Quando uma vez ele havia derrubado um vaso, o homem ficou irritado e saiu, e a mãe, furiosa, o culpou por perder o "bom dinheiro" que aquele homem traria.

Naquele dia, ela o tinha empurrado com força contra a parede, e a dor latejava em sua pele. Ele não entendia o que tinha feito de errado, e só se encolhia, abraçando-se, tentando organizar a dor dentro dele, contando em voz baixa para não sentir a tristeza que apertava seu coração.

__ “Por que, mamãe?”— sussurrava enquanto se balançava com o ursinho, como se o próprio ato de contar o mantivesse a salvo.

Por vezes, ele tampava os ouvidos, balançando para frente e para trás, concentrado na textura do tecido do ursinho, no cheiro familiar de poeira e mofo.

Mais tarde, o silêncio finalmente reinou, e ele saiu. Caminhou até a porta do quarto dela e parou, sentindo o coração apertado.

— Mãe? — chamou baixinho, sua voz era um fio de esperança.

Quando empurrou a porta e entrou, ele encontrou a mãe caída no chão. Seus olhos vazios estavam fixos no nada.

__ Mãe, acorda... __ sussurrou.

Deu um passo, esperando que ela o chamasse, mesmo que fosse para gritar ou mandá-lo calar a boca. Mas o silêncio era total, e Zachriel sentiu como se estivesse afundando, a mente girando sem saber o que aquilo significava.

— Por que você não fala comigo, mãe? Você está dormindo? — murmurou para si mesmo, as lágrimas escorrendo. Ele sabia que algo terrível havia acontecido, mas não conseguia entender por completo. Ele não sabia o que era "estar morto".

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