Indícios

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Uma mente quebrada reconhece outra.

— O que aconteceu? – perguntei assustada.

Se minhas mãos tremiam com a cena incomum e preocupante que eu via, as de Mingyu conseguiam estar ainda piores, e ele parecia tão abalado quanto eu, olhando aquilo.

— Por que as pessoas não me respeitam? POR QUÊ? - Jung Kook pôs a cabeça entre as pernas.

— Eu não sei, era pra gente jantar juntos hoje, mas quando eu fui buscar ele no treino, estava tudo um caos.

— Hey, Galaxy... – eu tentava chamar a atenção do mais novo.

Os olhos opacos de Jung Kook focavam no nada, um misto de raiva e medo perfaziam seu semblante de uma maneira que eu nunca tinha visto, ele estava sentado no chão da sala, o suor de seu corpo gelado escorria pela sua testa, seus braços, seu pescoço. A cor natural de seu rosto tinha desaparecido e seus lábios avermelhados agora eram totalmente brancos e sem vida, quanto mais os minutos passavam mais seu suor escorria desidratando seu corpo.

— Eu não mereço viver normalmente? Não mereço? Não mereço andar na rua sem precisar me esconder? - ele não perguntava para mim, parecia conversar com o vento ao invés de encarar eu ou seu amigo.

— Mingyu ele tá quase congelado, olha isso... – minhas mãos sentiram a testa de um Jung Kook paralisado e frio, desidratando pelo suor de sua pressão baixando e ele se calou totalmente.

— O que a gente faz? 

O que se faz numa situação dessa?

— Você já viu ele assim?

— Algumas vezes... ele tem crises de ansiedade e stress eventualmente...

E como eu não sabia disso? Como ele tinha escondido isso da HYBE? Como ele tinha escondido isso de mim?

Eu senti meu coração disparar depois de meses sem indícios de uma crise, mas uma mente quebrada, reconhece outra, e o burnout do maknae era tão parecido com o que se iniciava no meu próprio corpo quando eu perdia o controle de mim mesma.

Minha respiração foi se perdendo junto com a dele, minha mente deixava de pensar com clareza e passava a pressentir, quase chamar pelo pior, pela entrega, pelo domínio de algo sombrio que todo mundo luta contra.

— A gente precisa aquecer e hidratar ele.. pega um pouco de água...

O que eu faço? O que eu faço quando estou em crise?

Enquanto Mingyu ia para a cozinha, em um milésimo de segundo os olhos perdidos focaram em mim quando ele voltou a levantar a cabeça, eu segurei suas duas mãos e as posicionei em minhas bochechas para que ele pudesse sentir meu calor, o toque gelado me fez sentar no chão ainda mais assustada em como ele tinha chegado nessa temperatura tão rápido.

— Me olha, amor... olha pra mim, sou eu. – seu peitoral fazia um esforço tremendo para trazer e liberar o ar de seus pulmões.

Ainda com as mãos em meu rosto, eu encostei sua testa na minha, meu corpo agora sentia seu frio, e ele tinha meu calor. Percebendo o que fazíamos, Mingyu ajoelhou ao meu lado e de Jung Kook, tirou a camisa e assim nós ficamos por um longo tempo abraçados até que as nossas temperaturas estivessem iguais.

— Bebe aqui... devagar... – quase uma hora depois do estado de choque, Mingyu o tinha colocado na cama e trocado suas roupas, agora ele bebia poucos goles de água mas a cor de seus lábios já apareciam em um rosado meio claro. — Devagar...

— Estou com sede. – foi só o que ele disse encarando tanto eu quanto o amigo. — Estou cansado.

— Bebe tudo e você pode descansar... – ele segurava minha mão apertando meus dedos quase sem medir sua força, mesmo assim eu não ousei soltá-lo até que ele estivesse completamente quente de novo.

Só depois de beber, ele se deitou, e não foi preciso mais do que alguns minutos para que  adormecesse profundamente, exausto com seu próprio corpo e sua luta mental. Eu e Mingyu voltamos a sala, sem saber qual dos dois estava mais preocupado e só deixamos Jung Kook para trás porquê agora ele roncava dormindo profundamente.

— O que você tá fazendo?

— Refazendo os passos dele hoje... Onde você pegou ele? – eu remexia no tablet andando para lá e para cá, mantendo minha mente ocupada, antes que eu também entrasse em crise sem saber o que tinha acontecido.

— Na academia nova do treinador dele...

— E como ele tava?

— Ele tinha treinado... mas aparentemente ele achava que tinha sido seguido, tinha alguém ligando na própria academia e desligando sem parar... aí ele desistiu de treinar e me pediu pra buscá-lo.

— Alguém? Sasaengs... – eu sabia que elas andavam atrás deles, dele principalmente, mas ele não me disse que tinha chegado nesse nível.

Mingyu me encarou sério demais quando ouviu o nome mais temido por todo idol e com razão, a obsessão descontrolada e sem medida, a perda do senso de respeito, todos nós sabíamos o que alguém sem controle sobre sua própria moral era capaz de fazer e mais quando encontrava 'seu' idol.

— Yun-Hee.. – ele me puxou pela mão, para mais longe da entrada do quarto do maknae que conseguiu, quase me pondo para fora. — Você sabe dessa pressão louca sobre ele, né? Mas...

— Mas o quê, Mingyu? - perguntei sem raciocinar muito sobre que ele dizia, só conferindo as câmeras do dia que o mais novo tivera.

— Eu sei que eu não devia... mas você tem que saber que isso adoece ele, a mente dele já carrega toda essa pressão dele ser a voz mais importante, o rosto mais bonito, o homem mais desejado, o perfil mais seguido, o garoto mais cobrado...

— Com que frequência...

— Isso vem e vai com todos nós... mas eu sinto que ele guarda tudo lá, tudo para ele.

Quando eu voltei ao quarto, Jung Kook dormia como uma criança indefesa e quem podia julgá-lo? Quem podia dizer que aquele era um mundo justo com um idol que dava tudo de si no que fazia mas recebia descontrole e extremismo em troca? Quem não teria medo de ser seguido por desconhecidos, ser pressionado ou ameaçado o tempo todo?

Star... deita comigo... - ele disse meio embriagado de sono percebendo minha presença. 

— Você quer que o Mingyu fique?

— Sim... por favor... - ele puxava minha mão insistindo para que eu me deitasse ao seu lado.

Jung Kook não dormia bem a dias, acordava sempre na madrugada com um pesadelo e quase nunca conseguia voltar a dormir novamente, mas eu jamais imaginei que o limiar de nossas mentes eram tão próximos até mesmo na beira do abismo.

— O que você tá fazendo? - Mingyu tirava a roupa sem pudor nenhum na minha frente e dobrava sua calça com toda delicadeza a colocando no móvel perto da cama.

— Se ele precisar do meu corpo, eu estou pronto. - disse estufando o peito e colocando a mão na cintura antes de se deitar.

— Eu preciso... - Jung Kook se virou de lado abraçando o travesseiro.

Anos sem dormir com nenhum homem, agora eu dormiria com dois.

Legacy • Jung Kook ▪︎ Apocalipse (02)Onde histórias criam vida. Descubra agora