Cheguei na sala de reuniões com a confiança cuidadosamente equilibrada. Era o momento de apresentar minhas ideias para os clipes solo dos meninos, mas sabia que com Ghard as coisas seriam diferentes. Ele era exigente e nunca hesitava em mostrar isso.
Quando ele entrou, seu olhar avaliador percorreu o ambiente até parar em mim. Sentou-se à minha frente, sem desviar os olhos, e, antes de eu ter a chance de dizer qualquer coisa, disparou:
— Então... é só você? Tipo, você é boa e tal, mas o Nagali tá louco de deixar tudo na sua mão. Eu tô tentando estourar, man. Não quero nada mal feito.
Respirei fundo, controlando a vontade de responder na mesma intensidade. Mantenho um tom firme, mas profissional.
— Ghard, eu entendo que você queira o melhor, e é exatamente isso que eu também quero entregar. Se estou aqui, é porque confiam que posso fazer um trabalho à altura. Mas, se você preferir esperar pelo Nagali em cada detalhe, a gente pode seguir assim, desde que isso não atrase o processo, porque o prazo que ele me deu foi hoje.
Ele franziu as sobrancelhas, claramente incomodado. Parecia que meu tom o surpreendeu, mas, após uma breve hesitação, ele cedeu um pouco.
— Beleza... Só quero garantir que isso não seja amador, sabe? Essa música é importante pra mim. Tem um tom mais... pessoal.
Eu assenti, me aproximando mais da mesa e abrindo as anotações.
— Eu já ouvi a música e, pelo que senti, ela tem uma carga romântica, um misto de vulnerabilidade e intensidade, certo?
Ele me olhou por um instante antes de responder:
— Certo... Mas você sabe que esse não é exatamente o meu estilo de sempre. Não quero que pareça bobo.
— Exatamente por isso a gente precisa trabalhar bem essa vibe. Pensei em cenas que capturassem esses momentos de paixão e mistério, como olhares intensos, detalhes de gestos, essas coisas assim. Mostra seu lado sedutor, mas sem perder a pose de pilantra que vc tem.
Ele continuava me olhando com uma expressão confusa.
— Não tô entendendo, tipo... 'detalhes de gestos'? — questionou, como se fosse algo sem sentido demais.
Sorri, sabendo que a única forma de fazê-lo entender era mostrando.
— Quer saber? Melhor eu te mostrar. Vamos fazer assim: finge que eu sou a garota da música, e você é você. Vou demonstrar o tipo de cena que eu acho que funcionaria.
Ele levantou uma sobrancelha, meio cético, mas concordou com um aceno. Respirei fundo, coloquei a música para tocar e entrei na personagem, aproximando-me dele, os olhos fixos nos dele. Toquei seu braço de leve, transmitindo uma conexão silenciosa.
— Imagina que essa cena é cheia de tensão, entende? Como se vocês estivessem trocando olhares e palavras não ditas.
Ele hesitou no início, mas então me puxou pela cintura, fixando seu olhar no meu com intensidade. A conexão entre nós parecia tomar vida própria, e eu me aproximei ainda mais, nossos rostos a poucos centímetros. A tensão se tornou quase palpável, e ele tocou meu cabelo, deslizando a mão com um cuidado inesperado. Nossos olhares estavam fixos, e eu mal conseguia respirar.
— Essa cena precisa mostrar um sentimento forte, quase palpável... — murmurei, incapaz de desviar o olhar dos olhos dele. — Quero que as pessoas sintam o que a garota sente... o que você sente... através da tela.
Ele abaixou o olhar para meus lábios, a respiração visivelmente acelerada. Por um segundo, parecia que o beijo era inevitável. Mas então ele recuou, desviando o olhar e soltando minha cintura.
— Isso... isso não vai rolar, Julia. — Sua voz era baixa, quase como se tentasse convencer a si mesmo. — Você... você não é a pessoa certa pra isso, nem sei o que tá fazendo aqui.
Antes que eu pudesse responder, ele saiu da sala, me deixando ali, imóvel, tentando processar o que havia acabado de acontecer. Senti uma lágrima escapando enquanto suas palavras ecoavam: "você não é a pessoa certa."
Ghard pov:
O silêncio da sala ainda pairava sobre mim enquanto eu caminhava pelo corredor, tentando processar o que acabara de acontecer com a Julia. Aquela garota tinha um jeito irritante de me desafiar e, ao mesmo tempo, parecia entender o que eu tentava expressar na música, mesmo que eu relutasse em admitir.
Sentei em uma das salas vazias, respirei fundo, passando a mão pelo rosto. Por que aquilo tinha saído do controle? Eu só queria uma reunião profissional, definir o conceito e as cenas do clipe, mas de repente estávamos a centímetros um do outro, com uma tensão quase sufocante entre nós. Eu já sabia que ela era talentosa, mas vê-la se entregar à ideia, criar aquele momento como se realmente fosse real... foi intenso demais. E talvez, só talvez, eu realmente quisesse que aquela intensidade fosse real.
A expressão dela, os gestos, o jeito como ela se aproximou, tudo parecia tão autêntico. Eu mesmo quase esqueci que era uma encenação. Quando ela sussurrou, explicando a cena, era como se ela estivesse falando como ela mesma, não como como Julia Kaminari, diretora criativa da Supernova, mas como alguém que... estava ali para me ver, para me entender. Por um instante, eu me vi envolvido. E foi aí que eu percebi o problema.
Lá estava eu, olhando para ela de um jeito que não devia, tocando seus cabelos como se fosse... mais do que um clipe, como se fosse um momento nosso. O pior é que, por mais que eu tentasse me afastar, algo nela me puxava. Aquela intensidade dela, a forma como me enfrentava, era irritante e cativante ao mesmo tempo. Mas, no fim, ela era muito nova, muito diferente do tipo de pessoa com quem eu deveria me envolver. Já cometi esse erro de me envolver com mucilon uma vez, então, me forcei a recuar.
"Você não é a pessoa certa pra isso," eu disse, tentando encerrar aquela situação antes que se tornasse mais complicada. Mas, ao dizer isso, eu vi um brilho no olhar dela se desfazer, e não pude deixar de me perguntar se tinha passado do limite. Eu não queria magoá-la; só precisava de uma forma de me proteger daquela proximidade, daquela conexão inesperada. Precisava me colocar em primeiro lugar, eu era o artista, não somos amigos nem nada a mais, não deveria ligar pros sentimentos dela.
Depois de alguns minutos, finalmente tomei coragem para sair da sala e voltei ao estúdio. Precisava continuar com o trabalho, afinal. De longe, vi Julia ainda na sala de reuniões, agora de cabeça baixa, mexendo em seus papéis com uma expressão que eu não conseguia decifrar. Pensei em ir até ela, talvez me desculpar ou esclarecer que não era nada pessoal. Mas as palavras fugiam, e, no fundo, eu sabia que quanto mais perto eu estivesse dela, mais complicado tudo isso ficaria.
Só me restava uma saída: manter as coisas profissionais, tentar focar na música e no que eu realmente queria alcançar. Julia era talentosa, determinada, mas também era... perigosa. Perigosa para tudo que eu estava tentando controlar.
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Ghard - Entrelinhas
RomanceOnde Júlia consegue um estágio na Supernova, mas um certo japa tatuado se torna seu maior desafio. "De canto, não quero destacar, ganho que cê já ficou na minha. Mas um moleque bom como eu, é muito bom de ler entrelinhas" Julia Kaminari era uma garo...