Capítulo 46 - Revelações

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Após horas de gravação intensa, um intervalo finalmente foi anunciado. A equipe aproveitou para reorganizar os equipamentos, enquanto os atores buscavam momentos de descanso. Christiane, sentada em um banco próximo ao set, aproveitava o tempo para tomar o seu terceiro café. Seus olhos vagueavam distraídos até pousarem em Niamh, que estava em uma conversa animada com Amora. Algo na interação entre as duas chamou sua atenção, despertando uma curiosidade involuntária.

Sem saber exatamente por que, Christiane decidiu se levantar e se aproximar, fingindo buscar algo. Ainda a uma distância segura, ela começou a ouvir trechos do diálogo entre as duas, que pareciam completamente alheias à sua presença.

— Quero agradecer de coração, Amora! — disse Niamh, sorrindo de forma expansiva. — Fazer parte deste projeto foi uma honra. Adorei conhecer todo mundo, e poder contracenar novamente com a Julianne. Ela é incrível de tantas maneiras!

Christiane parou, escondendo sua expressão sob uma máscara de indiferença. Seu coração deu um leve salto ao ouvir o nome de Julianne sendo mencionado com tamanha admiração.

— Trabalhar com ela foi uma experiência única — continuou Niamh, sem notar a observadora. — Ela é tão generosa, tão cheia de energia... As cenas de intimidade que gravamos foram, honestamente, muito...divertidas.

Amora riu suavemente, provavelmente já acostumada com o entusiasmo de Niamh, mas para Christiane, aquelas palavras soaram como uma pontada. Ela precisou de toda sua compostura para não interromper.

— A Jules é incrivel, uma atriz tão fácil de dirigir.

— Então, será que a Eilleen O'Brian pode acabar tendo um romance com a personagem dela? — Niamh perguntou, com um tom quase travesso. — Eu sei que todo mundo adora a ideia de uma policial se apaixonando pela ladra que deveria prender!

Antes que Amora pudesse responder, ela notou Christiane se aproximando. A diretora, profissional como sempre, escondeu qualquer reação ao inesperado.

— Christiane! — disse Amora com um sorriso, gesticulando para ela se juntar à conversa. — Estávamos falando sobre as gravações de hoje. Como está indo seu dia?

Christiane manteve um sorriso educado, mas seu olhar foi direto para Niamh, cuja expressão permanecia despreocupada.

— Tudo ótimo, obrigada — respondeu Christiane, com uma voz suave, mas firme. Seus olhos, no entanto, não esconderam o desconforto que sentia, mesmo que a atriz irlandesa parecesse não perceber.

Amora, percebendo a tensão no ar, mudou de assunto com maestria:

— Niamh, acho que precisamos revisar uma pequena cena sua. Tivemos um problema com a angulação, mas é algo rápido de corrigir.

Niamh acenou, ainda animada, e seguiu para o set, deixando Christiane e Amora sozinhas. A brasileira respirou fundo, tentando reprimir os pensamentos que agitavam sua mente.

As gravações prosseguiram até quase o início da madrugada. Julianne, que teve um dia particularmente exaustivo, por causa das exigências físicas e emocionais de suas cenas, estava completamente desgastada quando as filmagens finalmente terminaram. No carro, a caminho do chalé, ela adormeceu rapidamente, deixando Meryl e Christiane em um silêncio confortável, mas carregado de pensamentos.

Meryl, sentada ao lado de Christiane, olhou para Julianne por um momento. Havia algo de vulnerável em vê-la assim, tão tranquila e sem defesas. A atriz mais velha suspirou, desviando o olhar para a janela enquanto tentava organizar os próprios sentimentos.

Ao chegarem ao chalé, Julianne ainda dormia pesado e Meryl com todo o carinho e cuidado do mundo acorda-la, abrindo os olhos apenas na terceira vez em que foi chamada e recebendo um beijo gostoso na bochecha. O cansaço era tanto que ela mal conseguiu manter os olhos abertos. Com passos cambaleantes, sendo amparada pela mais velha, murmurou algo inaudível antes de se aproximar das outras duas.

— Boa noite, minhas queridas — disse ela, com um sorriso sonolento. Para a surpresa de ambas, Julianne se inclinou e deu um beijo nos lábios de Meryl e depois nos de Christiane. O gesto foi natural, sem qualquer hesitação, antes que ela desaparecesse no quarto que ocupava sozinha.

Meryl e Christiane ficaram estáticas por um momento, processando o que acabara de acontecer. O olhar que trocaram era cheio de perguntas, mas nenhuma delas tinha forças para iniciar uma conversa naquele momento.

— Ela está tão exausta — disse Meryl, finalmente, como se isso fosse a única explicação lógica.

— Nós também estamos e você não precisa ficar a todo o momento justificando o comportamento da Julianne — respondeu Christiane, de forma resignada, um tanto irritada, fazendo Meryl suspirar.

Ambas decidiram dividir o banheiro para uma ducha rápida. O silêncio entre elas era confortável, mas carregado de subentendidos. Terminaram de se preparar para dormir e foram para o quarto de Meryl, onde haviam decidido descansar juntas por pura praticidade e se confortarem uma na outra.

Deitadas lado a lado, o cansaço começou a pesar sobre elas. Meryl, sempre carinhosa em momentos como aquele, começou a fazer cafuné nos cabelos de Christiane, um gesto que não precisava de palavras para transmitir conforto.

— O dia foi longo... — murmurou Meryl, quase para si mesma.

— Me desculpa? - perguntou sonolenta, se dando conta que havia sido um tanto ríspida com Meryl a minutos atrás.

— Está tudo bem querida. Vamos descansar e amanhã teremos um lindo dia.

Christiane não respondeu, mas fechou os olhos, deixando-se relaxar sob o toque delicado de Meryl. O dia tinha sido intenso, cheio de emoções e pequenas tensões, mas naquele momento, tudo parecia secundário.

Ainda assim, ambas sabiam que as questões não resolvidas pairavam no ar, como uma tempestade que ameaçava cair, mas que, por enquanto, estava adormecida. E, por ora, isso era suficiente.

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