"O Fantasma do Farol" Partes 1-2

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                                                                                      1- Alethia

Tiha segurava Onze em seus braços, encostados numa parede de uma casa em ruínas. Ambos estavam muito machucados, cobertos de fuligem e exauridos. O fogo consumia a cidade de St. Yoria; Télamon jazia inerte no chão e a energia de seu corpo era a última proteção que eles possuíam.

Onze mal conseguia falar, mas tentou algumas palavras:

-Tiha... pode me fazer... Um último favor?

Ela respondeu, esforçando-se por se manter firme:

- Não diga isso, Onze. Vai passar, é só... Uma fase ruim. Mas o que deseja?

-Me conta uma de suas histórias? – ele abriu seus olhos brilhantes, umedecidos com as lágrimas.

-Claro... – ela ficou surpresa, contudo, clareou sua mente e procurou nas profundezas da memória algum conto, mesmo que breve, para deixar a criança um pouquinho feliz. Ainda bem que ele gostava de aventuras, mesmo que não terminassem exatamente bem.

-Bom – ela prosseguiu – vou contar sobre Alethia, uma bela moça que vivia na cidade costeira de Optagonos, quando ainda era um lugar muito rural. Isso deve ter sido há uns trezentos anos...

"Alethia era uma moça ruiva, de olhos verdes, cabelos lisos e longos, e por demais brilhantes. Vivia com a mãe, que já devia ter uns 40 anos. Era uma mulher amargurada, pois fora abandonada pelo pai de Alethia ao ter ciência da gravidez da mulher. Seu nome era Kauany, não era feia, porém passou a achar-se assim e acabou envelhecendo mais rápido, passando do peso saudável, criando até verrugas no rosto, reforçando seu pensamento sobre si mesma. Ela trabalhava com costura, era bem requisitada, pois tinha fama de ser caprichosa. Mas isso não era o suficiente para querer-se bem. Joh era a primogênita, com seus 20 anos. Era bem aparentada, porém vivia reclusa, ocupada com estudos intermináveis e trabalhos manuais para vender. Lia de tudo, acumulava grande conhecimento, mas pouca prática.

A garota, aos seus 15 anos, frequentava a escola própria para meninas, onde aprendia escrita, leitura, ginástica e pintura. Ela adorava ir, especialmente depois de certo dia, quando conheceu um moço das redondezas.

Wizer devia ter uns 20 anos, cabeça raspada, olhos negros como a noite, corpo magro, porém definido. Morava numa aldeia dentro de uma floresta, por onde o caminho de Alethia até a escola atravessava. O rapaz fazia o trajeto inverso, trabalhava em St. Yória como atendente numa loja de roupas finas. Muito simpático e charmoso, cativava seu público, favorecendo suas vendas.

Eles se viam praticamente todos os dias, pois seus caminhos se cruzavam no mesmo horário. A sonhadora adolescente sempre jogava olhares a Wizer, que depois de algum tempo, passou a corresponder com um sorriso.

A mãe de Alethia percebeu sua crescente ansiedade e distração cotidiana, e resolveu perguntar sobre o que estava acontecendo. A garota, toda empolgada, disse que o rapaz a paquerava, mas era tímido e nãos e aproximava. Dona Kauany fechou o cenho e repreendeu a menina, tentando fazer com que colocasse seus pés no chão, a fim de não se machucar como ocorrera com ela mesma. Seu discurso entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Como podia querer domar a paixão adolescente? Resolveu, então, permanecer bem atenta, por via das dúvidas.

O tempo fluiu em seu ritmo maluco, eles começaram a trocar cumprimentos breves e o coração de Alethia quase pulava pela boca toda vez que ouvia um "Oi". Dona Kauany continuava a alertando e nada do que dizia adiantava. Tudo o que conseguiu foi enfurecer a menina, a ponto de ela esbravejar durante uma janta:

-Não é porque meu pai te abandonou e você se deixou definhar que vou fazer o mesmo!!! Eu ainda sou bonita e inteligente, não vou acabar como a senhora!!! E nem pense que vou ser como a boba da minha irmã, recolhida entre livros, pó e cacarecos!!!

Aquilo foi como uma facada no coração da mãe de Alethia. Não se falaram por dias e evitavam permanecer no mesmo espaço. Por um lado, Kauany sabia da verdade intrínseca daquele birrento surto juvenil. Mesmo assim, não deu o braço a torcer. Afinal, que direito aquela criaturinha tinha de falar daquele jeito? Joh a consolava, sua fiel escudeira.

                                                                                              2-Destino?

O inverno finalmente chegou e, com ele, chuvas torrenciais. Numa delas, Alethia estava despreparada e foi atingida por uma chuva de granizo. Imediatamente, Wizer resolveu leva-la para sua casa ali perto, resolvendo ir para o trabalho mais tarde. A escola ainda estava longe para poder aguentar debaixo daquelas pedrinhas de gelo. Bom, o que mais Aethia podia desejar? Ela pulava de alegria por dentro e tecia mentalmente agradecimentos ao clima.

Assim que a colocou para dentro de casa recebeu de seus pais grandes olhares cheios de espanto. Na mesma hora ele foi se explicando:

-Calma, calma, é só até a chuva passar. Ela está indo para a escola de meninas e eu não ia deixa-la ser esmagada pelo granizo, né?

Alethia, um tanto encharcada, cumprimentou-os e se apresentou. Em seguida, Wizer lhe trouxe algumas de suas próprias roupas para eu trocasse as molhadas. Os pais dele a receberam educadamente, fizeram as honras da casa, porém sustentavam a expressão de perplexidade, até que o pai foi conversar noutro cômodo com o filho.

-Bem, Alethia, a chuva passou, eu preciso ir. Fique a vontade!

-Claro, eu também vou aproveitar e seguir meu rumo. Hihihi! Muito obrigado, muito obrigado mesmo!

Sem mais, ele apertou-lhe a mão e cada um seguiu seu destino.

-Nunca mais vou lavar minha mão! –pensou a garota pelo resto daquele dia. O Destino realmente a estava favorecendo. Só podiam ser sinais.

Mais tarde Dona Kauany se viu obrigada a questionar do motivo de estar com aquelas roupas, ao que petulantemente Alethia lhe respondeu:

-Viu, em breve o trarei aqui para lhe conhecer! Foi amor à primeira vista ou acha que ele colocaria uma estranha pra dentro de casa?

-Sinceramente, Alethia, espero que não seja tudo coisa da sua cabeça.

Emburrada, a garota foi se deitar. Seus pensamentos estavam acelerados, elaborando um meio de se declarar e incentivar o rapaz a fazer o mesmo. Tinha certeza dos sentimentos dele. O dia seguinte seria o melhor de todos. Logo, logo estaria namorando, noivando e finalmente casando com o homem da sua vida! E mostraria à mãe: ainda existia amor verdadeiro nesse mundo.

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Crônicas de St. YóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora