"O fantasma do Farol" Partes 5-6

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5- O farol e seu fantasma

A criatura não respondia aos apelos de ninguém, estava surda e cega para todos, exceto por Wizer. Ela esbravejava:

- Vou acabar com você e tudo que mais ama! Vai sentir toda minha ira, enganador! Sucumbirá no lamaçal dos infernos, mas antes outra pessoa irá abrir caminho para você!

Suas gargalhadas causavam arrepios e fazia solo abaixo tremer. Então, Alethia rumou à casa do rapaz, direto para sua noiva que espantada observava da varanda, junto da família dele.

Larissa empalideceu diante da aparição fantasmagórica e desmaiou. Nesse ínterim, foi arrebatada e levada embora pelos ares.

O desespero era absoluto e Wizer só viu uma solução: seguir para o velho farol, provável local aonde teriam ido. Joh ordenou que a mãe ficasse ali e partiu logo atrás do rapaz. Aflita, Dona Kauany orava a qualquer Poder Divino que a escutasse.

O farol localizava-se á beira de um precipício, o qual dava para o mar assolado pela tempestade. Nunca ninguém imaginaria passar por um episódio desse, e eles não tinha ideia do que fazer quando finalmente encarassem aquele ser de outro mundo. Os ventos fortes quase os arrastavam, contudo alcançaram o destino.

Wizer tentou convencer Joh de permanecer lá embaixo, mas ela insistiu pela irmã. O local era tomado pelo frio gélido e uma neblina misteriosa, e a longa escadaria os desafiavam a subir. Na medida em que venciam os degraus intermináveis, sentiam toda aquela estrutura estremecer e ranger tenebrosamente.

­ — A qualquer momento esse edifício irá ceder e cairemos todos no abismo! – disse o garoto.

— Se preocupe com o agora e talvez salvaremos nosso futuro. - respondeu-lhe Joh, rispidamente.

Na parte mais alta do farol, Alethia chorava e golpeava o chão duro, emitindo urros de dor e frustração. Ao lado, Larissa jazia imóvel, estirada, pálida e gelada como a neve. Wizer arregalou os olhos e sentiu como se seu coração fosse pular da garganta. Joh foi direto ao fantasma da irmã, numa tentativa de conversar e acalmá-la.

O rapaz pegou a noiva morta nos braços e gritava:

— Por quê? Por que fez isso? Ela não teve culpa de nada!!!

A criatura cessou seu pranto e virou o rosto irreconhecível para retrucar entre dentes:

— Essa é sua parte, por ter me enganado e me usado como queria!

— É louca mesmo depois da morte! Nunca te prometi nada, nem correspondi a sentimento nenhum! Eu nem mesmo sabia que você sentia algo por mim! Foi tudo coisa da sua cabeça de menina carente!

A raiva de Alethia tingiu seus olhos de vermelho-sangue, contrastando com seu corpo esbranquiçado.

— Larissa sempre foi e sempre será... Meu único amor!

Por sua vez, Joh intercedeu e esforçou-se em chamar a razão da irmã:

— Alethia, chega!!! Sua imaginação fértil e desejo insano por um parceiro te cegaram! Reconheça! Tanto que nossa mãe aconselhou! De nada adiantou??? Deixe-o em paz, devolva a vida á moça, reconheça que tudo não passou de mera ilusão! Diga-me onde está o seu corpo e lhe farei as honras fúnebres para seguir adiante.

O espírito Alethia tornou-se rubro como uma opala ardente ergueu-se vagarosamente. Caminhou alguns passos na direção de Wizer, ao que o edifício inclinava junto. Do lado de fora, a tempestade se intensificava, e no vilarejo casas eram destelhadas e algumas, as mais frágeis, derrubadas.

6- Dor da Verdade

Dona Kauany rezava num canto da casa da família de Wizer. Quando de repente, uma voz feminina irrompeu do nada e vibrou para todos ouvirem:

— Por que agora roga pelos Altíssimos, Kauany? Não fora você quem primeiro viraste as costas àqueles que sustentam este mundo e lhe deram tanto na vida? Tem certeza de que não conheces as causas deste sofrimento todo?

— Quem é você??? Alethia, filha???

No centro da sala formou-se de éther uma belíssima mulher, perfumada de rosas, tendo um pombo negro pousado no ombro esquerdo. A mãe de Alethia sentiu o corpo amolecer e os demais se encheram de terror.

— A Senhora??? – Kauany levou as mãos à boca e soltou um grito abafado.

— Após ter se casado com um dos melhores partidos e gerado a primeira filha, cessou de me honrar e ainda se gabou com grande arrogância por suas conquistas. No lugar do amor deixou-se dominar pela cobiça, pela preguiça. Tornou-se um zangão que se farta do trabalho das abelhas. Nem da própria filha quis saber, de tão ocupada estava em satisfazer sua luxúria...

Kauany era filha de camponeses de terras distantes. Já muito nova, um nobre apaixonara-se por sua beleza e meiguice, até que lhe foi proposto casamento. Abandonou a casa dos pais, os relegou ao passado, e passou a morar a rica casa de seu amado. Nesse ínterim, também "esqueceu" da Deusa a quem tanto pedira um bom partido. Quando gerou a primeira filha, Joh, revelou-se péssima mãe, importava-se mais com a aquisição de bens em cobrir-se de joias. O próprio marido substitui pela riqueza – dele. Sua queda sobreveio em seguida, a Deusa retirou sua beleza e brilho exterior, e finalmente o marido mandou-as embora, ao descobrir que a menininha não era prole sua. Com o rabo entre as pernas, Kauany deixou a cidade, indo morar em Optagonos, onde conheceu o pai de Alethia. Ninguém sabia da verdadeira história de Kauany, nem as filhas.

A Deusa continuou a falar:

— Sua arrogância, mesquinhez, e desvirtuamento foram causa de toda sua ruína, inclusive de sua prole. Pelo visto, Alethia saiu a tua perfeita imagem, não é?

A mulher, recostada na parede, soluçava, paralisada, temendo o pior. Resignada e envergonhada, ajoelhou-se diante da Deidade, curvando-se a ponto de encostar a testa no piso:

— Eu sei que nada do que fiz tem perdão... Mas o que posso fazer para terminar com esse pesadelo???

— Prometa que realizará todas as reparações possíveis ao meu culto e ao de seus falecidos e sofridos pais e não mais contaminará com sua negatividade a filha restante.

Aos prantos ela jurou, chamando pelos poderes dos Céus e da Terra, como em tempos antiquíssimos.

— Que assim seja! Que o elo seja restabelecido!

Crônicas de St. YóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora