3- O Grande Dia
Era sexto dia da semana e Alethia havia convencido a mãe de acompanha-la até o vilarejo onde Wizer morava. Dona Kauany tentou de tudo para fazer a filha desistir da ideia, porém acabou cedendo. Afinal, a garota estava bem decidida, aliás, totalmente desvairada.
Perto do meio-dia as duas saíram de casa: Alethia usava seu melhor vestido, criado pela própria mãe, todo vermelho-sangue, com pedrinhas negras. Por sua vez, Dona Kauany simplesmente pegou qualquer roupa do armário, utilizando apenas o critério de limpeza para escolher. Elas andavam devagar, para o horror da garota, que estava muito ansiosa por chegar na casa do ser amado. No caminho ela dizia:
-Você amá-lo, mãe! Super educado e... Um pouco tímido.
-Olha, Alethia... Se for... palhaçada sua, vai levar uma surra na volta...viu! Fazendo-me... caminhar tudo isso! – resmungava a mãe, ofegante devido ao peso que mal sustentava.
O coração de Alethia começou a disparar, aproximavam-se da casa, cuja porta estava aberta e o pai de Wizer encontrava-se sentado na varanda com sua mulher. Eles arregalaram os olhos ao notarem a menina chegando cada vez mais perto em sua direção. Ela pôde ouvir chamarem pelo filho, que logo apareceu á porta, parecendo surpreso.
-Wizer, meu amor!
Wizer engoliu em seco. Como assim "meu amor"?
Os pais dele olharam-no aterrorizados, mas calados.
-Alethia?! O que faz aqui?! E essa senhora?!
-Essa é minha mãe, Dona Kaunay! A trouxe para conhecê-los! – respondeu alegre. Exausta, a mãe dela sentou num tronco próximo.
-Conhecer? Do que está falando?! – ele suava frio.
-Ué, estamos namorando, vocês tem que se conhecer, né! Hahaha!
Nesse ínterim, desembocava da casa uma bela moça de cabelos negros encaracolados, usando um longo vestido marrom escuro. Alethia congelou e parou de falar. O pai de Wizer deixou cair o copo de suco no chão e Dona Kauany sentiu o estômago embrulhar. Então se pronunciou, erguendo-se:
-O que está acontecendo aqui?! Alethia!
-Wizer! – esbravejaram os demais.
-Wizer! – repetiu a moça recém-chegada. – Que história é essa???
- Calma, Larissa, calma! Está havendo algum engano aqui!
- Engano? Você me enganou??? – gritou Alethia, contorcendo-se.
-Como "te enganei"??? Mal te conheço, garota!
-Você até me trouxe para sua casa!
-Eu te dei abrigo por causa da chuva, só isso!
-Você sempre me cumprimenta quando passa por mim! Eu vi nos seus olhos que me queria! Que só precisava de um empurrãozinho, porque pensei que era tímido!
-Tá doida, menina??? – o rapaz tremia de raiva. – Você quem confundiu as coisas! Que imaginação fértil! Vai embora! Vai embora! Estou noivo da Larissa, não viaja! Não a trocaria por ninguém, muito menos por uma pirralha burra!
-Ooooooopaaaaa!!! Não fala assim da minha filha, se não te meto a porrada até virar uma tampinha!
-Então leva essa doida daqui e NUNCA mais pareça na minha frente! E cruzar por mim na rua, NÃO OLHE para mim! Vamos, Larissa! Vem, mãe! Vem, pai!
Wizer pegou a noiva pela mão e sem mais entrou com ela, junto dos pais, que apenas assistiam aquela loucura.
Alethia virou o rosto para a mãe, em busca de um olhar terno por sua condição, contudo, levou o maior tapa da vida dela.
-Que vergonha me fez passar! Não acredito que criei uma retardada! –esbravejou Dona Kauany, virando as costas e seguindo de volta para casa.
Alethia permaneceu paralisada por longos segundos que mais pareciam uma eternidade. A frustração a corroia por dentro. Mal sentia a dor do tapa, pois a dor da alma e a vergonha eram infinitamente mais fortes. Ela estava confusa, não enxergava mais nada. O mundo girava em torno. Então começou a chorar sem parar. Soltava urros que toda a vizinhança ouvia e espiava de suas janelas. Por sua vez, Wizer fechava todas as suas, para que os berros não entrassem em seu lar.
A garota assemelhava-se a uma fera ferida a lutar pela própria vida. Enfim, saiu correndo floresta adentro, rasgando suas vestes pelo caminho e puxando os próprios cabelos desejando arrancá-los a força...
4- Escuridão da Alma
Baixou a negra noite, acompanhada de ventanias que levaram à região nuvens carregadas de chuva e raios ansiosos por cair. O tempo mudou subitamente, para espanto das pessoas que há pouco se deliciavam com céu aberto e brilhante sobre suas cabeças.
Dona Kauany e Joh procuravam por Alethia pelas redondezas. A garota não dera sinal até àquela hora, e poderia se ferrar feio se fosse alcançada pelo crescente mau tempo. Elas perguntavam a todos os vizinhos se tinham visto a menina e só respostas negativas recebiam.
- E agora, mãe? Daqui a pouco vai cair a maior chuva, isso se não for de granizo como semana passada!
- Vamos comigo ao vilarejo daquele moço, talvez tenham notícias dela. – os pés de Kauany doíam com o peso do corpo e já estava ofegante. Rezava para que pudesse continuar caminhando no mesmo ritmo.
No vilarejo de Wizer todos estavam encerrados dentro de suas casas. As rua estavam escuras, e mãe e filha mais pareciam dois fantasmas perambulando por lá.
Primeiro bateram na porta dele, que mal respondeu e bateu a porta. Em seguida foram de casa em casa, interrogando desconhecidos, coisa que nunca Dona Kauany e Joh imaginaram fazer na vida, já que eram muito tímidas.
Finalmente, uma mulher deu uma pista:
- Sim, sim acho que deve ter sido ela. Eu voltava da floresta, quando uma jovem em prantos corria enquanto rasgava as próprias roupas. Tentei para-la a fim de prestar auxílio, porém ela me jogou de lado e continuou correndo. Parecia sem direção.
- E o que tem para aquele lado?!
- Apenas um farol velho e um penhasco.
Kauany e Joh entreolharam-se apavoradas com as hipóteses que surgiam na mente.
-Vamos, Joh!
-Espera! É muito perigoso! Podem ser atingidas por relâmpagos! Olhem esse tempo!
-Não há escolha! É a vida da minha filha que está em risco! – e então se virou para Joh – Você fica aqui! Vou sozinha!
-Tá doida, mãe?! Vou junto!
De repente, um grito ensurdecedor interrompeu a discussão, seguido de gemidos e choro lamentadores, como se fosse ali mesmo. Elas tremeram e, ao olharem para cima, viram algo rondando. Possuía a forma humanoide, era translúcida e emanava um brilho pálido.
-Não pode ser! – gritou Dona Kauany, levando as mãos á boca.
-É Alethia?! – Joh estava mais pálida que o próprio fantasma e seus olhos cheios d'água. '
A criatura do outro mundo rodopiava pelo ar. Gemia, chorava e chamava constantemente pelo nome de Wizer. Até que ele mesmo saiu de sua casa, junto dos familiares, e testemunhou a aparição assustadora em meio aos ventos e trovões.
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Crônicas de St. Yória
FantasyAs "Crônicas de St. Yória" ocorrem num mundo em decadência, regido pela orbe vermelha de Marte, onde imperam os deuses do bronze e ferro das guerras. Endureceram os conflitos entre povos, as pessoas estão mais irritadiças, a violência multiplica-se...