"Télamon na Terra dos Desgraçados"-8

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Noutra dimensão, Télamon espatifa-se no chão arenoso, a tempo de proteger o rosto amenizando a queda com os braços. Levanta lentamente, espanando a terra da roupa. Percorreu o local com os olhos e torceu o nariz: a sua frente estendia-se uma estrada sem fim de chão batido, a cortar um imenso mar leitoso, branco, monótono, cheirando a cera de vela e fumaça de ervas alucinógena reconhecidas por ele. Ainda, pelas margens cresciam arbustos e árvores espinhosas.

-Será aqui?

Virou-se para trás e se deparou com um paredão imensurável, cinzento, com uma passagem no alto, aparentemente impossível de ser alcançada com um salto.

-Depois terei que dar um jeito de passar por lá. Aff...

Sem mais demora, pôs-se a caminhar por aquela paisagem morta e enjoativa. Logo em seguida, cerrou os olhos para enxergar um estranho movimento a quase um quilometro dele. Eram pessoas. E na medida em que se aproximava dela, percebia que eram milhares em estado lamentável, sendo a esmagadora maioria homens maltrapilhos, cuja identidade era quase impossível discernir. Fediam a carne podre, e de fato havia muitos em estado de putrefação, porém ainda se movimentado. Eles gemiam, rastejavam, mal conseguiam manter-se de pé. Alguns comiam ervas coloridas que cresciam pelas margens, outros lambiam a terra, em certos pontos revelando-se um pó branco. Acima deles, voavam criaturas semelhantes a diabretes, numerosos e irritantes como moscas; portavam chicotes, lanças, pedaços de pau. Eles riam e resmungavam entre si, mostrando suas bocarras cheias de dentes. Pareciam se divertir cutucando os moribundos, empurrando-os no mar, mordendo, puxando-lhes as pernas.

Télamon sacou sua adaga e se preparou caso aquelas criaturas ousassem desafiá-lo, pois começavam a notá-lo ali. Por outro lado, os moribundos não lhe davam qualquer atenção.

-Terei que atravessar esse amontoado... Droga! – para abrir caminho, empurrava-os com os pés, sem dó nem piedade. – Espero que a tal chave não esteja por aqui... Ei, alguém me ouve? Respondam!

-É inútil tentar interagir com eles. Não possuem o mínimo de inteligência, vivem pelo hábito, pior que animais. – respondeu um ser distinto que apareceu flutuando. Era humanoide, quase um esqueleto, alado, porém o rosto também era desfigurado. Tinha a fala calma e clara. Seus braços eram longos, as mãos eram na altura dos calcanhares.

-Quem é... O que é você?! É diferente deles... É algum chefe local?

- Me chamo Silas. Realmente sou de um tipo superior, mas não sou nenhum chefe, não. Eles são os "Desgraçados", aqueles que dão nome a este mundo: Terra dos Desgraçados.

-É um tipo de inferno, pelo que posso ver...

-Talvez. Para cá vem as almas daqueles que destruíram vidas por causa de seus vícios... Alcoólatras, drogados e etc. Agora, você não é um morto. Como chegou? O que quer neste lugar?

-É assunto meu.

-Hmmm. Entendo... Está certo, vou deixá-lo em paz. Adeus, mortal.

A criatura bateu suas asas e voou para longe, desaparecendo no horizonte. Télamon seguiu-o com o olhar e depois fitou os moribundos à volta:

-Aqui será minha casa depois que eu morrer, então? Afff... Nem na morte terei sossego.

Ele seguiu o caminho repleto de almas degradadas e diabretes voadores que zumbiam ao seu redor, buscando conhecer o visitante. Nenhum se metia a besta de desafiá-lo, mas se aproximavam para sentir o cheiro da poderosa energia vital emanada dele.

De repente, Télamon paralisou diante de um dos moradores daquela dimensão. O outro, por sua vez, enrijeceu ao ver o rapaz, parecendo reconhecê-lo.

-Você aqui?! – Télamon ficou abismado. Nunca imaginou reencontrar tal pessoal em vida, muito menos na morte.

O homem, já em idade avançada, apresentava marcas de queimaduras profundas no rosto. Quanto mais recobrava a memória, tentava sobressair-se naquela massa de corpos putrefatos. Ele abria a boca com grande esforço, porém nenhuma palavra emitia.

-Tantos anos se passaram, hein! E vejo que as marcas daquela noite permanecem bem vivas em seu rosto... E agora, eu, mais forte do que aquela criança inofensiva do passado, diante do meu maior inimigo... Aquele que deu início a todas as minhas desgraças!

Os dedos de Télamon fecharam-se nas mãos, como se apertassem o pescoço do velho.

-Para estar aqui, então... Ah, sim... Explica muito de suas atitudes... Bêbado incorrigível e provavelmente usuário de outras substâncias... Bem me lembro de seus sumiços durante vários dias enquanto eu passava fome, sozinho em casa. Em pensar que poderia exterminar de vez com sua existência miserável num só movimento...

Ele empunhou a adaga e apertou a ponta afiada na pele do velho. Este apenas ouvia sem maiores reações, talvez se entregando voluntariamente à lâmina de angústia do filho.

Contudo, Télamon recuou e deixou-o tombar no chão empoeirado. O velho se reergueu e levantou os braços, querendo toca-lo.

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Crônicas de St. YóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora