Prólogo

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Eu não durmo mais como antes, na verdade nem sei se durmo, muitos acreditam que isso se deve a doença da minha mãe e em parte é isso, mas também tem outro motivo a insegurança que sinto em relação a meu pai não sei do que aquele homem é capaz e não estou nem um pouco afim de descobrir, por isso desisti de dormir depois que minha mãe ficou doente e não tinha mas forças para se defender dele, então quando seus gemidos de dor e sua respiração entrecortada quebraram o silêncio da noite não me surpreendi de ter despertado tão rápido.

- mãe?

- oi querida.

- precisa de alguma coisa?

- preciso que vá dormir, tem aula amanhã.

- eu sei, mas a senhora precisa de mim.

- filha você tem que esquecer de mim, eu sou uma velha doente que não tem mais utilidade para nada.

- não, você é minha mãezinha querida que eu amo e que precisa de mim pra ficar boa.

- você tem que esquecer isso, você ouviu os médicos dizerem que no meu caso só um milagre.

- milagres acontecem.

- as vezes sim, mas não podemos sonhar demais com coisas que parecem impossíveis.

- isso não é impossível, você vai se curar e um dia quando encontrar um homem que ame, eu vou me casar ter filhos e você vai estar lá do meu lado.

- eu vou sim querida nao fisicamente mas em espírito com certeza. - ela gemeu, um gemido que chegou a doer em mim e sua respiração começou a ficar mais superficial.

- chega mãe a senhora está muito faladora hoje e precisa descansar.

- eu vou querida mas antes eu preciso te falar uma coisa e é muito importante.

- amanhã mãe, amanhã você me fala tudo o que quiser.

- não querida eu preciso falar hoje para poder descansar em paz.-ela estava com uma expressão desesperada e eu pensei que deveria ser realmente importante o que me falaria ja que insistia tanto.

- tudo bem mãe, eu só vou pegar um copo de água e seu calmante e depois a senhora me fala o que quiser ta bom?. - ela acenou concordando com a cabeça e relaxou um pouco no travesseiro.

Eu esperava que não precisasse usar o calmante ela ficava muito grogue no dia seguinte e assim me dirigi a cozinha.

A nossa casa era uma grande construção que se encontrava no centro, perto da igreja e do posto de saúde e do único ponto de ônibus da cidade que mesmo assim era transporte interurbano ja que tudo naquele lugar se podia fazer a pé, ela tinha uma arquitetura antiga e requintada e foi construida pelo meu tataravô, nos tempos em que minha família era respeitada não só pelo que possuia mas pelo que representava e isso foi mantido até meu avô que por não ter tido um filho homem teve que deixar todo o poder e dinheiro da família nas mãos do meu pai que não respeitou a confiança que meu avô lhe depositou e pouco a pouco acabou com o dinheiro e com o nome e o respeito que tinham a nossa família.

Meu pai nao era um homem de confiança nao sei como conseguiu com que minha mãe se interessasse por ele, ela era tão linda, doce e frágil e meu pai apesar de não ser um homem feio era grosso, ignorante e truculento, graças a Deus nao herdei nenhum de seus traços eu era a copia fiel da minha so que de olhos azuis.
mas eu sinto que mesmo com o casamento dos dois meu pai não é o verdadeiro amor da minha mãe.

- pai?

Tomei um susto quando cheguei na sala e ele estava deitado no sofá, era estranho está aquela hora em casa, achei que estava acordado mas chegando mais perto percebi que estava praticamente em coma alcoólico, o que não era nem uma novidade já que era a única coisa que sabia fazer bem, além de jogar e trair minha mãe.

- pai.

O chamei novamente, e ele abriu os olhos e os fixou no meu rosto e depois desceu pelo meu corpo, senti um tremor de medo mas achei que nao estava me reconhecendo pela maneira que me olhava, eu conhecia aquele olhar, era um olhar de desejo, mas deixei passar ele não me reconheceu por isso me dirigiu esse olhar, resolvi chama-lo novamente.

- pai sou eu, Ana.

- eu sei quem é você menina, o que quer?

- precisa ir dormir no seu quarto, amanhã acordará todo dolorido

- e o que te importa, vá e me deixe.

Soltei um suspiro e me dirigi a cozinha enchi um copo com água, peguei o calmante que mantinha longe da minha mãe, tinha medo que no desespero ela cometesse alguma loucura e retornei a sala, meu pai já tinha dormido novamente, resolvi deixa-lo na sala, tinha medo de acorda-lo e ele se irritar, então voltei para o quarto da minha mãe.

- você demorou.

Minha mãe falou tentando se sentar na cama, mas eu sabia que não iria conseguir, por isso me dirigi a ela e a cama, colocando o copo e o calmante no criado mudo que ficava ao seu lado e à ajudei a se erguer.

- meu pai estava na sala, tentei acorda-lo, mas não tive nenhum resultado.

- devia estar muito bêbado para dar importância.

- mãe, porque se casou com meu pai.

- isso não vem ao caso agora, eu preciso falar com você.

Minha mãe não estava bem, ela falava pausadamente, com a voz entrecortada e a respiração agitada.

- mãe, não precisa ser hoje.

- precisa sim querida, eu preciso falar para poder partir tranquila.

- para de falar bobagens, a senhora vai viver muito ainda.

- eu não vou querida e você sabe disso.

Eu já não conseguia mas segurar as lagrimas, maldito câncer porque tem que tirar de mim a pessoa que mais amo na vida.

- não chore querida me mostre o quanto você é forte, porque eu sei que é e eu preciso que seja.

Minha mãe é a mulher mais linda que vi, mas com a sua doença a sua beleza foi se esvaindo pouco a pouco, mais existia nela uma altivez que nenhuma doença poderia levar, só que agora ela parecia tão frágil mais do que de costume.

- eu vou ser mãe, eu prometo.

- e eu preciso que me faça outra promessa.

- eu vou prometer qualquer coisa, só não me deixe sozinha.

- minha querida eu queria poder cuidar de você e ver você se tornar a mulher linda que eu sei que vai ser, mas...

- shh, shh mãe você precisa descansar.

- eu vou querida mas eu preciso deixa-la preparada para o futuro.

- agora não mãe eu tenho medo de que se falar o que tem que falar, você vai me deixar.

- filha isso vai acontecer você querendo ou não, hoje você faz dezessete anos e eu quero que prometa que quando fizer dezoito anos irá embora desta casa e desta cidade e não olhe para trás mas antes disso, você tem que ir no dia do seu aniversário a casa paroquial e o padre vai te ajudar.

- mãe por favor não fale.

- me prometa, eu preciso que me prometa, me prometa que vai lutar por sua felicidade custe o custar.

- mãe.

- por favor filha me prometa.

- eu prometo, eu juro, mas agora preciso que descanse.

- tudo bem, agora eu vou.

E assim ela fechou os olhos e eu comecei a fazer carinho em seus cabelos, até que sua respiração foi se acalmando e ela dormiu sem usar os remédios e eu me deitei ao lado dela para dormir sem saber que seria a última vez que faria isso.

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