Não acredito que ele é meu patrão

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Era segunda de manhã. O êxtase do show já tinha passado, e eu tinha que voltar pra vida real. Me encontrei com Júlia na faculdade, e passamos o dia sem muitas emoções. Ela esteve olhando para o celular o dia todo, admirando as fotos que tirou no show. Ela ainda não tinha "acordado" do sonho de sábado.

Então quando chego em casa, e vejo minha caixa de entrada do e-mail, percebo uma mensagem diferente. Um resposta.

Uma resposta para um dos currículos que mandei.

Abri o e-mail afoita, e vi o que estava escrito.

Manuela Rodrigues,

Estivemos analisando seu currículo e gostaríamos de saber se poderia comparecer ao processo seletivo que ocorrerá na próxima terça, dia 15 de Abril.

Anotei o endereço que vinha na mensagem, e comecei a dar pulinhos no quarto. Eu não queria saber se era um processo seletivo. Esse emprego já era meu.



No dia seguinte, à tarde, eu estava vestida adequadamente, mas com meu toque pessoal, pra mostrar que eu entendia o que estava fazendo. Moda era minha vida, e eu queria trabalhar com isso pra sempre, e eu era boa. E agora era o momento de provar não apenas isso, mas provar que eu seria a melhor.

Eu não precisei procurar muito, depois de umas voltas com o carro, eu logo cheguei ao local da entrevista.

Algumas meninas já estavam lá, mas eu não me intimidei. O negócio era parecer confiante, e eu não precisei fazer esforço pra isso. Entrei no edifício junto com as meninas e logo alguns rapazes chegaram também. Alguns minutos depois, com todos os candidatos lá, uma mulher de cabelos e olhos claros apareceu. Sua expressão era séria e indecifrável. Ela olhou pra cada um de nós pelo mesmo tempo, sem demonstrar nada. Foi meio assustador.

_Me chamo Dagmar. - ela disse, numa voz alta e calma - Vocês serão testadas para saber quem será a melhor figurinista para nosso artista. Ele estará aqui em alguns minutos, e cada uma de vocês fará uma prova e montará um figurino para ele. Depois de testados seus conhecimentos, entraremos em contato com vocês para dizer quem conseguiu a vaga. Agora, preencham esses formulários.

Um ajudante entregou a cada um, um formulário para responder com informações básicas. Eu os preenchi, e aguardei. Foi quando um burburinho começou a se transformar em um silêncio admirado. Quando ele colocou os pés na sala, e sorriu para os candidatos, eu achei que fosse morrer.

_E aí? - Luan disse, enquanto alguns sorriam, e outros pareciam se controlar.

Enquanto a mim? Eu acho que era a única que estava realmente surpresa.

_Então um de vocês que vai me vestir, agora? - ele diz, brincalhão, e de repente me olha.

Seu olhar para em mim, e me observa de um jeito que nunca fui observada. Nem mesmo pelo meu ex traste. O sorriso dele se abriu devagar, e eu desvei o olhar.

Ah, Droga. Será que ele tinha me reconhecido?

_Eles vão fazer a prova daqui a pouco. - Dagmar diz pra ele, sua voz muito mais suave - Aí podemos decidir quem vai ser.

_Arrã - ele diz, mas eu sinto que seus olhos ainda estão em mim.

Minutos depois começamos a prova, e a montar o figurino. Luan ainda estava na sala, o único som era o do ar condicionado. Eu estava com o lápis na mão. Nenhuma ideia vinha na minha cabeça. Então eu fiz o que eu estava tentando evitar: Eu olho pra ele.

Ele estava sentado na cadeira, com a costas curvadas, e limpando as unhas, e eu fiquei ali, olhando pra ele. Seu cabelo meio bagunçado, como se ele não desse a mínima pra isso. Sua expressão despreocupada. Estava tão bonito, de uma forma tão... Ele. Foi quando o lápis começou a deslizar pela minha folha. Eu sabia exatamente o que desenhar pra ele.


Luan

Eu estava com a Dagmar numa sala, olhando as fichas e as provas dos candidatos. Estavam todos muito bons na minha opinião, mas na dela, alguns eram sem criatividade. Eu nem estava prestando atenção em muitos deles. Estava procurando o dela.

Manuela Rodrigues. Eu achei a ficha dela e comecei a examinar.

Estudante, nunca trabalhou, sem irmãos, vive com os pais numa casa em São Paulo. Sua prova estava gabaritada. Inteligente. Muito bom. Então peguei o desenho. Eu fiquei impressionado, tenho que dizer. Eu com certeza usaria aquela roupa, e não sei como ela conseguiu unir tudo que eu era. Um cara do interior, um artista, uma pessoa normal, que tem seu momento de fama. Tinha muito da minha essência naquele desenho, e eu realmente não achei que fosse possível que algo assim acontecesse.

_Dagmar? - eu a chamo, e ela me olhar - Olha.

_Hum. está bom. Mas acho que podemos achar melhores. - ela diz, e desvia o olhar.

_Não, você não entendeu. Eu a quero. - digo.

_O que? - ela me olha outra vez.

_Eu quero que ela trabalhe comigo. Não vou aceitar outra pessoa.


Manuela

Eu estava batendo o pé no chão de forma rítmica, tentando manter a calma. Um a um foi chamado pra dentro de uma outra sala pra que pudessem dizer o que acharam da prova, do desenho, e aquela velha história de "depois entramos em contato com você".

Eu já nem sabia o que eu queria de verdade ali. Queria trabalhar pra recuperar meu juízo, não pra perdê-lo de vez.

Minha vez chegou, e eu andei o mais respeitosamente possível até a sala. Sentei-me de frente pra Dagmar e ela me olhou. Me olhou de verdade, de cima abaixo.

_Manuela Rodrigues. - ela disse, e eu acenei com a cabeça positivamente - Sua prova estava toda correta.

Soltei um breve suspiro de alívio.

_Seu modelo estava bom, mas um tanto inexperiente.

Mordi meu lábio por dentro, tentando manter a calma.

_Mas você tem talento. Por isso, gostaria que organizasse seus horários para começar a trabalhar conosco na próxima semana.

Eu fiquei quieta, e pisquei algumas vezes, sem entender. Sem acreditar.

_Eu consegui? - eu perguntei, estupidamente.

_Sim. A vaga é sua. - ela respondeu, seca - E faça o favor de não sair gritando isso por aí.

_Claro - eu digo, e tento tirar o sorriso do rosto.

Então saio da sala e dou de cara com Luan, bem na porta, por onde vou ser obrigada passar.

Ele sorri pra mim, e eu me mantenho séria, com meu coração martelando no peito.

_Até semana que vem, nega. - ele diz.

_Até - respondo, e passo reto, e só me permito respirar quando já estou do lado de fora do edifício.


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