Mais uma noite em busca do meu suado dinheirinho. Estou nesse restaurante a algum tempo, mas do jeito que sou tratada aqui parecem anos a fio. Gosto de pensar que, às vezes, pequenas coisas valem mais a pena do que levar em consideração os esporros que sempre levo por simplesmente existir.
- E aí, Nina? Vai ficar para o vinho hoje? -Ouço uma voz familiar, enquanto tiro o avental e arrumo minhas coisas.
-Jonas! Oi... É... -Droga! Porque esse homem tem que ser tão maravilhoso? É mais algum tipo de castigo, não conseguir dizer nem meu próprio nome quando ele está por perto? - Vinho? Ah! Claro.... Vou sim, já está todo mundo lá?
-Está sim, menos o chef, ele resolveu não ficar dessa vez.... Uma pena!
- Pena pra quem? -Rimos.
Em geral, Jonas nunca concordou com o jeito que o chef me trata, sempre faz o possível para tentar contornar a situação de um jeito que nem eu e nem ele nos prejudiquemos. No começo pensei que era por uma questão de experiência, para que eu ficasse realmente boa no que faço, mas com o tempo, não só eu, mas como todos que ali trabalham, percebemos que é questão de favoritismo para uns, e desdém para outros.... Fiquei com a parte do desdém, é claro. Já perdi as contas de quantas vezes Jonas me consolou.
Flashback on*
-Ei.... Está tudo bem?
-Está sim. -Digo tentando não parecer um bebe chorão que não aguenta uma bronca.
-No começo é difícil, não precisa ter vergonha de ficar triste. Ele é assim mesmo, tem medo de perder a excelência que conseguiu em tantos anos como chef. -Jonas diz isso, agora colocando uma mão sob meu ombro.
-Ótimo eu estraguei tudo! -Coloco as mãos no rosto, deixando de lado agora toda a ideia de não parecer um bebe chorão.
-Claro que não! Ele ser um maluco por perfeição, não te faz uma cozinheira ruim... Você é incrível, e eu não estou falando isso só porque você está chorando, longe de mim! - Me faz rir com a sua ironia irônica.
-Obrigada... -digo, agora olhando para seus olhos verdes, pouco mais claros que os meus, e sorrio.
-Só se parar de chorar! -Levanta e sai andando esperando que eu o siga, e assim faço.
Foi meu primeiro dia, ele nem tinha a obrigação de ser legal, mas foi... E talvez esse seja um dos motivos de eu parecer uma completa retardada perto dele, mas também pode ser tesão.
Termino de guardar as coisas na mochila enquanto ele me espera na porta sem parar de olhar para o que faço, chego a me sentir envergonhada, mas certamente ele estava mais interessado no jeito que dobro minha blusa de frio, do que em mim propriamente dizendo.
Logo que coloco a bolsa nas costas, ele começa a andar em direção ao salão principal, onde servimos os clientes. Sempre que o expediente acaba, algum grupo de amigos fica ali batendo um papo e conversando sobre como foi o dia, ou qualquer outra coisa. É uma forma que encontrei de relaxar e me preparar para o dia seguinte, pois na maioria das vezes o chef não está presente.
Me sento em uma das mesas e começo a conversar com Suzana e Igor, dois dos amigos que fiz aqui. Com o tempo perco o foco e começo a pensar no meu futuro restaurante, e aquela chama de esperança que às vezes sinto que apaga, cresce de novo dentro de mim, nada absurdamente grande, só um lugar que eu possa chamar de meu e ter orgulho de ser a chef.
Volto do devaneio e percebo que estou concordando com algo que Suzana disse. Eles dois estavam falando agora algo sobre como flambar um prato novo que também não prestei atenção em qual era, então continuei ali, fingindo ouvir o que diziam enquanto sonhava com meu futuro.
Algumas horas passaram daí em diante, e já passava da meia noite, precisava ir embora.
Suzana me ofereceu carona, mas eu estava com minha amada vespa, que ganhei do meu pai com 18 anos, então não aceitei, obviamente.
Gostava de andar na vespa, era uma estranha sensação de liberdade, misturada com medo de cair no meio de um cruzamento e morrer depois de um caminhão passar por cima de mim. Mas eu tentava só pensar na liberdade mesmo.
Não via a hora de chegar em casa, meu doce lar, que não era só meu, o dividia com mais três pessoas: Ramona e Luke, os inteligentes da casa (digo isso, não desmerecendo minha inteligência e nem a da quarta integrante da turma, e sim porque eles são absurdamente inteligentes, chega a dar medo) que na minha, nada humilde opinião, vão casar e ter filhos um dia. E Clarice, nossa médica particular, admiro o trabalho dela e como ela lutou para chegar onde está, é uma inspiração. Todos nós somos amigos desde o ensino médio.
Chego em casa abrindo a porta devagar. Vejo Luke no sofá, como sempre fica, com sua samba canção de Star Wars que comprou no eBay. Estava deitado olhando para o teto, provavelmente pensando em como resolver uma equação que provavelmente está jogada em cima da mesa.
Ele me olha e sorri, uma maneira Luke de dizer "oi".
-Boa noite.... Trouxe um pouco de comida. Vou deixar em cima da bancada, se tiver fome. -Digo, indo até a cozinha e voltando.
-Teve um bom dia? -Ele pergunta da maneira mais interessada possível.
-O mesmo de sempre... -forço um sorriso para dizer que está tudo bem, indo em direção a ele.
-Sei que um dia não vai mais precisar passar por isso.
Me debruço sobre ele, e ele me beija na bochecha.
-Boa noite, Nina.
-Boa noite, Luke, durma bem.
Vou em direção ao banheiro, tomo um banho quente, me preparo para dormir, e depois de um longo dia, vou finalmente de encontro a cama, e alguns minutos depois, não vejo mais nada.
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Vinho Tinto
ChickLitTrês mulheres, três amigas com personalidades diferentes. Cada uma rodeada por segredos. Submersas demais para contar. Vivendo na mesma casa, construída com a grande amizade das três. Esperam conquistar tudo que desejam. Clarice uma mera estudante d...