5 parte 2. Clarice

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De repente, as palavras fogem da minha boca.

⁃ Co...como? Nem sabia que você era médico - digo quase sussurrando, tentando encontrar minha voz.

⁃ Pois é, parece que hoje é um dia de descobrir coisas novas, não é mesmo Bruna? Ou devo dizer Clarice? - diz essas palavras carregadas de ironia e enfatizando meu nome - quem diria, hein? Medicina...uma pessoa como você, se prostituía pra pagar a faculdade, ou você gostava mesmo do que fazia?

Olhei pra ele assustada com suas palavras duras, sei que não posso pedir uma reação boa, mas não esperava isso dele. Se ele reagiu assim, imagina quando a Nina e a Ramona souberem, não vão querer olhar pra mim nunca mais, mas se depender de mim isso vai demorar, e muito.

⁃ Fernando, eu não devo explicações da minha vida para você. Se fiz o que fiz, tive um real motivo: foi por um bem maior, foi pelo meu sonho de salvar vidas - com a voz engasgada, porém firme continuo - Não preciso da sua aprovação, ou a sua pena... Pelo visto vamos ter que trabalhar juntos. Já que ficou assim ao saber, finge que não me conhece, que nunca me viu antes. Só que a partir de hoje me chame de Clarice, não mais de "Bru" ou "Bruna", como você fazia na hora em que gozava. É fácil ligar pra sua puta, dizer que quer sexo e pensar que ali não existe uma vida, um ser humano. E se for me ofender mais me avise agora que ainda temos tempo, se não vou agora mesmo falar com algum responsável para que mude meu orientador, já que você não pode dar aula pra uma puta.

Giro os calcanhares, e saio dali o mais rápido possível, não sou obrigada a ficar escutando ofensas, sei que não deveria esperar uma reação boa ou amigável, mas não vou deixar ele me esculachar com palavras ofensivas.

Quando entro no elevador, as portas estão se fechando, mas uma mão impede. Fernando entra e aperta o botão para térreo.

⁃ Desculpe você tem razão, eu não tenho o direito de te julgar, o corpo é seu, a vida é sua, o sonho de ser médica também era seu, eu não quis te ofender, só fiquei meio atordoado em ver você aqui. E porque você não me disse, mesmo quando nós tínhamos... Uma sei lá.. relação diferente...?- Sinto sinceridade nas suas palavras, mas sinceridade não apaga o que ele disse anteriormente.

⁃ Eu não tinha o costume de ficar de conversa com meus clientes - Digo com meu melhor olhar fatal, mas por dentro queria chorar horrores – E agora, se me der licença preciso ir embora, já que eu não sou boa o suficiente para suas aulas, Dr. Fernando.

- Tudo bem, você tem todo o direito de ficar brava ou chateada comigo, já pedi desculpa – culpa... Isso que vejo em seus olhos agora – Venha, deixa eu te levar pra um café, para conversar, me deixa te ouvir... Me deixa conhecer a Clarice.

Lágrimas começam a cair dos meus olhos, viro de costas para limpá-las, mas ele me impede me dando um forte abraço, seus dedos pairam no meu queixo, levantando-o, olhando nos meus olhos diz:

- Me deixa te conhecer Clare, me deixa conhecer a verdadeira Clarice, por favor.

Esse abraço e essas suas palavras só me fizeram chorar mais.

Lembro-me da realidade quando as portas se abrem, saio de seus braços e vou para fora do elevador limpando as lágrimas, sinto uma mão me puxando pelo braço.

- Ei, fiz um convite, vamos a um café conversar? – Me pergunta com um sorriso no rosto.

Penso em nas coisas que ele me disse, mas principalmente penso nas coisas que sinto.

- Hoje eu não posso... – Respondo lembrando que hoje é quinta do vinho.

Ele abre um sorriso, estava com saudade desse sorriso, tão lindo e sincero.

- Ótimo! Então janta comigo amanhã? Te pego na sua casa, pode ser?

Até que não seria uma má ideia jantar com ele.

- Claro, eu aceito.

Trocamos os números de telefone para marcarmos melhor.

- Te mando uma mensagem à noite, tudo bem? – Pergunta com aquele sorriso molha-calcinha no rosto, eu respondo que sim com a cabeça – Bom, tchau até amanhã, É... Posso te dar um abraço antes de você ir embora?

- Desde quando você pede alguma coisa, hein? – Pergunto rindo, e ele acaba rindo também.

Ele me abraça apertado, e beija meu pescoço.

- Tchau Fernando – Respondo saindo do prédio.

Estava disposta a contar tudo que ele quisesse saber, não vou ter vergonha agora, não vou me acovardar nesse momento, para ele pode até ser uma conversa qualquer, mas para mim, com meus sentimentos ainda tão vivos... Bom, vai ser difícil, mas é necessário.

**

Quando conheci a Cláudia, fazia duas semanas que tinha recebido uma carta da universidade, nela estava escrito que houve um problema com minha bolsa de estudos, claro que fiquei revoltada, tentei saber o que tinha ocorrido, qual era esse tal problema. Mas meus queridos, aqui é Brasil, né? Um setor ficou me mandando pra outro, e me diziam pra falar com o sindicato sei lá o que... Enfim consegui segurar a minha matrícula até onde pude. Claro que não foi o suficiente.

Então um dia em que eu estava esgotada, chateada, e me sentindo uma merda ambulante, eu tinha ido a um café pra chorar (melhor que chorar na rua). Se eu não pagasse a mensalidade a tempo, perderia minha matrícula. Cláudia estava sentada em uma mesa na frente da minha, enquanto eu chorava tentando encontrar um jeito de conseguir dinheiro o mais rápido possível. E foi exatamente isso que ela me ofereceu, quando ela levantou de sua mesa, e veio se sentar comigo, achei que era só uma mulher carente precisando de atenção, mas eu estava completamente enganada. Lembro-me de ter ficado conversando com ela a tarde toda, contei meu problema e ela me apresentou ao mundo da prostituição, fiquei meio em dúvida se fazia ou não, mas por via das dúvidas eu peguei o número de celular dela.

Liguei pra Cláudia uma semana depois, tinha recebido uma carta e dois e-mails, falando a mesma coisa que estava na primeira... Tempo vai e tempo vem, fiquei três anos nesse mundo, vi e ouvi muitas coisas que nem fazia ideia que existiam, aprendi outras também. Conheci pessoas boas, outras que me davam nojo, algumas que nem vale a pena citar. Em três anos consegui pagar minha faculdade, e ainda juntar um dinheiro extra...

**

A tarde passou muito rápido, e logo já era de noite. Chego em casa e vejo Ramona e Luke na sala já tomando vinho.

- Ei casal! Opa, cadê a Nina? – Pergunto para os dois.

- Primeiramente dona Clarice, nós não somos um casal, e a Nina não chegou ainda – Responde Ramona.

- Já ligaram pra ela?

Um olha para o outro com cara de "como não pensamos nisso antes?". Às vezes eles são tão inteligentes para umas coisas, e para outras... Dá vergonha falar.

Começo a ligar para a Nina...

"sua chamada será enviada para a caixa de mensagem..."

Já era pra ela ter chegado... Onde caralhos está a Nina?

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora