6. Ramona

189 24 2
                                    

O sol do começo da manhã arde um pouco minha retina. O dia está bonito, com a abóbada celeste já num tom de azul bebê, cor do meu antigo quarto. O vento sobra meus cabelos e me mantenho concentrada na garotinha de cabelos cor de mel que vejo através das grades. Ela está ajudando uma outra criança a se balançar, empurrando-a. É sempre assim, ela nunca brinca, passa a manhã inteira apenas ajudando os outros. Não consigo dizer claramente qual a cor de seus olhos, ou se ela tem ou não sardinhas no rosto (como desconfio que tenha), sempre a observo de longe. Faltam dois dias para seu aniversário de quatro anos.

                  

Termino de comer minha maçã e me dirijo para o ponto de ônibus mais perto, caminho de maneira robotizada, pensando em qual seria o nome dela se eles não fossem seus pais. A probabilidade é imensa, existe uma infinidade de nomes. Decido não pensar se tenho ou não alguma preferência. Apenas subo no ônibus e prometo não voltar mais ali.

Para uma pessoa como eu nenhuma informação é secreta. Não me lembro direito o motivo, apenas resolvi hacker a central e descobrir quem eram seus pais. Consequentemente descobri o endereço, a escola e tudo mais. A maioria dos dias eu me sento no banco da praça e apenas assisto por entre as grades vermelhas sua felicidade infantil.

Chego ao trabalho atrasada por conta do ônibus. Como eu preciso de algum automóvel, uma moto ou um carro (não estou escolhendo no momento). Meu salário não é tão ruim, mas não ganho o suficiente pelo que trabalho. Minha sorte é que o governo me dá bolsa mestrando por causa do curso e isso realmente faz com que as despesas fiquem mais leves, mas não ao ponto de eu poder ter um carro.

Me afundo na minha poltrona e estralo os dedos antes de ligar o computador. Essa máquina é meu segundo amor verdadeiro absoluto. Origin Genes é seu nome. Ela tem um processador intel core i7, sessenta e quatro fucking gigas de memória RAM e ainda quatro placas de vídeo dedicadas. Fiz o meu próprio sistema operacional para rodar nessa belezinha, mas ainda estou fazendo alguns reparos. Uma pena que seja propriedade da empresa, e não minha.

Trabalho na sede de uma empresa apontando e corrigindo novos bugs em programas e, não tão de vez em quando quanto eu gostaria, faço uns trabalhos extras para o meu chefe, o presidente da corporação. Ele tem mania de perseguição, acha que alguma outra empresa vai roubar seu novo software ou coisa parecida, um completo lunático. O sistema de segurança que criei para aquele prédio é, no mínimo, um exagero.

Ele vive em um dilema: não poder me promover por eu não ter o diploma exigido, mas não ter nenhum cara formado em tecnologia da informação melhor do que eu para fazer essas coisas. Apenas aceito porque realmente preciso do dinheiro e amo demais a máquina a minha frente.

Como já fiz a maior parte do meu trabalho durante a semana, não me sobrou programa para revisar. Aproveito esse meu tempo livre para pesquisar mais sobre meu tema conclusão de mestrado, minha dissertação. Meu orientador tem me ajudado desde que meu projeto foi aceito, porém minha pesquisa é um caso à parte no Brasil, as chances de ser usada é realmente baixa, mais provável que seja usada por algum outro país.

Essencialmente minha dissertação é sobre internet quântica. É um projeto revolucionário se der certo, claro que não fui a única a pensar nisso, mestrado não exige que o projeto seja inédito. Imagine a velocidade de partículas subatômicas, imagine o quão rápido seria as informações carregadas por elas. Seria incrível.

A única questão infeliz em tudo isso é que a física quântica é uma área complicada, não tem muitos estudos de base e é consideravelmente recente. Mas é minha paixão, meu primeiro amor absolutamente verdadeiro, consegue ficar na frente até mesmo da Origin Genes.

O telefone toca e pedem para que eu me dirija até a sala do presidente. Reviro os olhos, aquele problemático deve estar pensando que alguém nos invadiu novamente. Em geral são jovens que querem saber das novidades antes de saírem no mercado e acham que sabem o suficiente para invadir qualquer coisa, são os conhecidos cyberpunks.

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora