11. Ramona

199 20 4
                                    

A primeira vez que o vi foi em uma das cafeterias que visito. Daquelas decoradas que vendem bolinhos com gota de chocolate e tem um menu com coisas frescas, coisas que fariam Clare virar os olhos. Amava sentar nos bancos almofadados vermelhos e esperar um café (normalmente o mais barato que o lugar vendia) enquanto pensava sobre a vida, minhas teorias e vontades. Eu costumava não repetir cafeterias, sempre experimentava novas.

Era um lugar bonito, tocava Legião Urbana no fundo (Índios, se não me falha a memória) e cheirava a grãos queimados. Não foi ele o cara mais bonito que conheci, nem o mais inteligente e não dispunha de nenhumas das qualidades que me costumam me encantar. Porém, enquanto eu pedia um café entretida com meu exemplar já surrado de Hamlet, em um único movimento dos olhos, à medida que eu movia para a próxima página eu o vi. A primeira coisa que me lembro foi de seu cabelo castanho escuro penteado para trás de um jeito bagunçado. A última coisa que me lembro foi da sensação do deslizar do tecido das minhas calças sob minha perna enquanto tentava sair sem fazer barulho do apartamento dele no meio da madrugada.

Agora estou em sua cama novamente, nua e recém acordada. Ótimo, agora é rotineiro eu dormir em casas alheias. Ele já está acordado e sentado na cama lendo um livro. Sorrio meio sem graça com a situação. Nunca havia dormido aqui, sempre saía no meio da noite. Visualizo minha regata caída ao lado da porta, a uma distância considerável de onde me encontro. Mantenho minha cabeça no travesseiro chafurdando na preguiça.

-Bom dia? -me pergunta ele.

-Depende de que horas são.

-Quase sete e meia.

Ajeito meu cabelo embaraçado e o prendo em um coque improvisado com os próprios fios. Meu desejo é voltar a dormir, a preguiça é quase palpável em mim. Espero que com o passar dos minutos ela deslize para fora do meu corpo porque, de forma alguma, posso me dar o luxo de permanecer deitada.

-Achei que não apareceria mais desde aquele dia que te convidei para jantar -diz ele.

-Eu não desapareci por conta disso. -minto, porque o fiz por esse real motivo.

-Não te culpo, nem sei porque te convidei aquele dia. Está claro que somos iguais.

Olho para ele tentando identificar em que somos iguais. Não encontro similaridade nenhuma. Nem os gostos literários são os mesmos. Não temos ideais em comum. Aliás, nem sei se já chegamos a conversar sobre isso. Não o conheço nem um pouco.

-De qual forma?

-Somos estragados, o amor não funciona para gente. -responde, delineando o contorno da minha cintura até parte da coxa com os dedos. -Somos corpos vazios que se preenchem com sexo, apenas isso.

-Que metafórico, poeta! -digo revirando os olhos.

O chamo assim porque ele é escritor, ou ao menos pensa que é. Conseguiu publicar seu livro há pouco, eu li na verdade. Bom livro, nada de diferente. Me levanto e recolho as peças de minhas roupas espalhadas no chão, não ligando muito para o que ele disse. O amor nunca foi tão prazeroso quanto sexo para mim. Prefiro dopamina do que ocitocina liberada no meu corpo.

Era melhor eu me apressar se eu quisesse vê-la ainda hoje. Saio o mais rápido que posso sem me despedir como deveria. Não entendo porque tenho que me despedir das pessoas, deveria ser feito quando há a certeza de que não tem a chance de encontro novamente. A origem da palavra é clara quanto a isso. E não é como se eu fosse sumir da vida do Poeta, ele é minha válvula de escape.

**

Colho uma das flores do punhado de mato perto do banco da praça. Ela é rosa-clara meio murcha, e é como se seu galho não suportasse o peso das pétalas. Me viro para observar os cabelos cor de mel pelas grades vermelhas. Já se passaram quatro anos. Eu consigo me lembrar dessa idade. Me recordo uma vez quando estava fazendo contas de matemática e somei sete mais três, o resultado deu dez -logicamente, já era esperado. O que eu não esperava era não saber a forma indo arábica de estrita e, como todos os números eram símbolos diferentes, eu presumi que o dez também seria assim. Quando me disseram que o dez era a junção do um e do zero eu recusei totalmente essa resposta e acusei todos de mentira.

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora