20. Ramona

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Faz muito tempo desde que eu tive algum tempo livre na minha vida. O real problema com tempo livre, principalmente para pessoas como eu, é que você não o quer, você o odeia. No primeiro momento, há um alivio de mais ou menos 4 segundos, você eleva suas mãos a cintura e pensa "uau, vou descansar". Passado esses segundos, vem o pânico. Então, por esse dito motivo, vou culpá-lo.

A falta do que fazer me fez pintar meu cabelo rosa claro. O que, pensando bem, não foi a decisão mais inteligente, por dois motivos:

1) Empresas têm frescuras com cabelos diferente, ou seja: vou morrer de fome, morar debaixo da ponte e não terminarei meu mestrado por tabela.

2) O sidecut está chamando muita atenção, contrastado o tom do meu cabelo com o rosa pastel, e agora eu fico nessa de pintar ou não pintar. O pintar de castanho mais uma vez.

Ah, e também tem o chuveiro, que liguei em um temporizador para que Clare pare de gastar a água do planeta. Funciona assim: tudo começa com a água liberada pela torneira e entra na caixa do chuveiro, essa água faz pressão no diafragma que sobe e fecha o contato, deixando passar corrente elétrica. Essa corrente percorre um resistor que, pelo efeito joule, aquece a água. Mas com o meu temporizador, o diafragma fecha o circuito por um período de tempo, quando esse tempo acaba, ele abre o contato e não passa mais corrente. Eu também tentei cozinhar. Mas foi trágico: começou como um doce de banana e terminou como bolo de chocolate com gosto muito, muito, muito, muito elevado à googolplex ruim.

Também reorganizei todos meus livros por um padrão diferente.

E agora, estou na última coisa que me resta: toca do coelho. Comecei resolvendo o Teorema Binominal de Viannese, passei horas revisando um material insano do Luke e agora estou parada olhando o quatro e tentando achar um padrão para os números primos. Eu sou ótima em padrões.

Meu organismo está fervilhando de tanta cafeína e só são 13 horas e 12 minutos, talvez treze, o tempo estimado no qual eu olhei o relógio. Meu ultrabook está aberto no terminal do linux com o nmap rodando. E eu tenho certeza que li em algum lugar que fazer múltiplas tarefas significa fazer tudo mal feito. Mas não estou preocupada com o scanner. Segundo minhas estimativas, a chance de um número primo terminado em 1 ser seguido por outro também terminado em 1 é de apenas 18,5%. Grande coisa.

Estou começando a ter ideias que beiram a insanidade. Mas me atenho a pensar que Einsten disse algo sobre se a ideia não for louca a princípio, não há esperança para ela. Eu queria o Luke aqui. Na nossa adolescência resolvíamos problemas de lógica diariamente e trabalhávamos muito bem em equipe, sempre trabalhamos. Cada dia mais o desafio era mais complexo e cada dia mais era emocionante decodificá-lo.

Tudo isso para que eu não pensasse na sensação que sinto. Isso desde que Clare falou da garotinha doente em seu hostipal. Isso desde que ela tem faltado na escola. Eu poderia ter ido conferir se ela estava ou não bem, mas não fiz. Não sei se por causa da promessa de que jamais voltaria lá ou se porque sinto medo. Prefiro não pensar.

Sobressalto ao ouvir a porta fechar. Nina. Ela coloca sacolas no balcão da cozinha.

- O que diabos você está fazendo? -pergunta.

- Achando um padrão. -digo, tirando os olhos do quadro branco por um momento. Ela respira fundo acostumada com essas minhas respostas curtas e se vira para ir à cozinha. -Onde você foi a manhã inteira? Quando acordei já havia saído.

- Em uma livraria. -diz, sorrindo.

Tropeço nos pés caminhando até as sacolas.

-Comprou algo para mim? -mexo nos livros. Ah, droga! Já li todos. Ergo uma edição especial de Harry Potter -Você já tem váaaarias edições, por que perde teu dinheiro comprando mais? É o mesmo livro, só muda a capa.

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora