21. Ramona

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Ele está quinze minutos atrasado. Em São Paulo isso é uma tragédia, quinze minutos é o tempo extra que calculei que perderíamos no transito. Esse é um dos motivos de eu não ter um carro, isso e o fato de não ter dinheiro para tal. Continuo distraída, mexendo nos estilhaços da tela do meu celular que muito provavelmente não durará até o final do ano. O que é péssimo já que, dinheiro para comprar outro eu não tenho. Não tenho nem emprego. Ah, meu Deus, eu ainda morro de fome. Meus pais ainda não foram atualizados disso e bem, se minha família já me vê como fracassada por não ser uma funcionária pública, imagina quando descobrirem sobre minha situação atual. O bosta do meu orientador está fazendo seu PhD no exterior e eu não consigo seguir o projeto sem ele. Isso só melhora! Só me falta perder toda minha pesquisa e não terminar meu mestrado.

E olha: eu sou ótima em economia, super organizada com dinheiro. Mas não faço milagre igual a Clare, que enquanto garçonete comprou um iPhone 6 e não faliu. Com milagre eu quero dizer que na certa ela vendeu um órgão para tal.

Ouço uma buzina e o carro preto de Miguel se aproxima. Eu não faço a menor ideia de qual é o modelo daquilo, se tem algo que não entendo, é de carro, mas parece ser um daqueles modelo com vários zeros que nunca terei na vida. Ele abaixa o vidro do carona e sorri para mim e é neste momento que eu me pergunto o por quê aceitei essa ideia, poderia muito bem ter ido ao hospital sozinha. Se eu fosse boa em biologia, talvez conseguiria explicar porque fico tão puta da vida com Miguel, mesmo sem ele ter feito nada.

- Você está atrasado. -Digo, abrindo a porta do carro.

- E seu cabelo está rosa.

- Que bom que seus cones e bastonetes estão funcionando. Que ótimo. Fico muito feliz.

Ele ri e não entendo o motivo.

- Porque está sempre irritada, anjo?

- Nós já não conversamos sobre apelidos?

- Sabe o que acho? Que você se esconde por trás dessa carcaça de mal-humor.

- Não sabia que tinha marcado horário com psicólogo. -Digo, ligando o rádio.

Não, não me faço de irritada. É só a presença dele. E não, não me escondo. Eu só sou assim, há certas coisas das quais eu não sei lidar, simples. Principalmente com desconhecidos dos quais eu já passei a noite na casa. Não que o dia que dormi no apartamento de Miguel tenha essa conotação. Tudo bem, talvez tenha um terço dessa conotação, já que nos beijamos. Céus, estou parecendo a adolescente que nunca fui.

Esse negócio de flerte, romance e afins não é para mim, nunca foi. Até hoje eu espero a descarga hormonal concretizada por alguém que eu goste, mas até agora, a única descarga que tive foi do meu vômito depois do meu primeiro porre, anos atrás. Eu nasci com a maldição da razão e acho que penso demais para conseguir me apegar realmente. Não que eu fuja, mas é que agora, com meus vinte-e-poucos, parei de procurar. A única coisa que quero logo é meu mestrado e bom, um novo emprego.

Ele vira na Rua Peixoto Gomide. Ah, não acredito, olho para ele, é como se minhas pupilas faiscassem.

- Miguel, que porra você está fazendo? - pergunto e ele dobra a esquina e entra na Rua Augusta.

- Eu não sei você, mas estou com fome.

- Esse não foi o combinado. -Cruzo os braços.

Ele para perto de um restaurante chamado Athenas e saímos do carro. O ambiente é muito bem decorado. Não está tão cheio, então é muito fácil arrumar um lugar. Me sento ainda quieta, desgostosa de estar ali. Na verdade eu estaria muito melhor em casa, encontrando um padrão para números primos e esperando Luke voltar do trabalho para me ajudar.

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⏰ Última atualização: Jun 21, 2016 ⏰

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