13. Nina

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Sinto como se minha estadia no restaurante estivesse chegando ao fim, mas cada vez que me forço e começo a acreditar nisso vejo que na verdade é um breve e doce ilusão. Ficarei aqui por muito tempo se quiser ter um restaurante descente algum dia.

As vezes acredito que seja até uma atitude tola acreditar que a vida me presenteará com isso, vindo de mim que sempre acreditei que as coisas tendem a dar errado do jeito mais simples possível.

De fato, depois de tudo que aconteceu entre eu e meu chefe, as coisas por aqui estão mais calmas, e devo dizer que se acalmaram de uma maneira bem sutil... Sutil como um elefante em uma loja de cristais.

As coisas estavam tão calmas que fui obrigada a ouvir de quase toda a equipe coisas como "nossa, ele ta calmo não é? Como se acertaram?" e ficar com aquela cara de "não sabendo de nada, pessoal" por fora, estando completamente ciente de que por dentro estava gritando "TRANSAMOS! É ISSO QUE TODOS VOCÊS QUEREM QUE EU DIGA?".

Não que eu me sinta culpada por isso, afinal de contas ele não é comprometido e eu também estou longe dessa realidade.

**

Passei o domingo inteiro preparando um cardápio cheio de frufrus pra alguém especial o bastante a ponto de comer as coisas mais caras do restaurante por pura cortesia.

Ficamos, eu e Louis, na mesma sala por horas, simplesmente sendo profissionais e fazendo aquela coisa toda de fingir que somos um restaurante 6 estrelas que ele adorava.

-Bom, Nina... Acho que terminamos por aqui... Se quiser ir pra casa, peço pra que o Jonas faça sua parte.- disse Louis, meio desatento ainda olhando pro cardápio recém criado.

-Estou com um pouco de dor de cabeça mesmo... Acho que irei sim... Se você não precisar mais de nada, é claro.-respondo com aquela cara de bunda que você faz de maneira tão natural que nem nota.

-Sim, claro, fique a vontade. Você hoje me foi muito útil.

Saio dali, da mesma maneira que entrei, me sentindo uma idiota. Gostaria de saber por que ele me afeta tanto assim, gostaria de entender como o ódio todo que eu sentia por ele se tornou um "me note, por favor!" tão patético.

Me pego devaneando sobre isso já indo em direção a vespa quando ouço alguém me chamar.

-Ruiva! Já ta indo? -Jonas, sempre com aquele mesmo charme de sempre... As vezes desconfio que seu sorriso é um dos mais bonitos que já vi.

-Oi! É... O chefe me liberou...-respondo tentando esconder a cara de bunda que havia comentado a um tempo atrás.

-Foi uma boa garota, né?

-Espera, o que? -como assim? Eu deixei tão na cara assim?

-Com o cardápio... -ele responde confuso.

-Ah! É... Acho que fui... -fico vermelha de vergonha.

-Enfim, não vou te atrasar mais... A gente se vê amanhã.- diz isso beijando minha bochecha logo em seguida.

Eu sorrio pra ele e aceno com a cabeça, mas agora sem tanta vergonha. Parece que as coisas não mudaram tanto quanto eu pensei.

**

Resolvo dar uma volta por ai, ainda é cedo, a cidade começa a se iluminar agora.

Dou uma passeada pelas ruas que tanto me tem como sua, que tanto me fazem sentir em casa. Chego ao ponto de pensar que estou voando e consigo ver a cidade toda de cima, é uma das melhores sensações do mundo.

Paro em um pub, lá toca musica ao vivo, é um ambiente legal pra se estar. Resolvo não beber nada alcoólico então peço uma coca cola e algumas batatas.

A voz da cantora me faz lembrar uma garota do meu ensino médio, uma amiga. Tinha uma voz doce, suave, era boa de ouvir.

Alguns casais dançam em frente ao pequeno palco em que a cantora estava tocando seu violão.

Muitos casais jovens, mas também haviam aqueles que pareciam estar juntos a décadas, sem perder aquela aparência de "estou vivendo a melhor época da minha vida".

Sorrio vendo a cena, é divertido. A cantora, sem nome, canta Tiago Iorc, Coisa Linda. Canto junto com ela, porém de longe, do meu lugar.

Me pego cantando a quinta musica sem nem notar que minha coca e as batatas já haviam acabado a tempos. Olho no relógio e vejo que já são 21:40pm, então recolho minhas coisas e saio.

Não estava perto de casa então demoraria pelo menos uns 40 minutos pra chegar (se o trânsito colaborasse), o que não era problema, não pra mim.

Quando olho o celular mais uma vez, vejo que nele há uma mensagem de Luke.

MENSAGEM ON*

"Nina, quando puder, vem pra casa logo... As coisas aqui em casa estão meio tensas entre a Claire a Mona, resolvi não me meter na discussão, mas você poderia dar uma força. Bjs"

Ótimo, agora chegar em casa e sentir o clima pesado tão pesado quanto a minha conta no fim do mês, quem não quer isso, afinal de contas, né?

Subo na vespa e vou. Quando chego em casa, Luke já esta dormindo, o que é bem estranho pois são 22:50pm, ainda, mas tudo bem.

Me dirijo ao quatro de Mona, ela não está lá, pelo visto vai dormir fora de novo.

Vou até o quarto de Clarice e em sua porta a plaquinha de "Não incomode" esta posicionada de maneira que não possa ser contestada sua vontade de ficar sozinha, coisa que não acontecia muito. Resolvo ir para o meu quarto e dormir de uma vez.

**

No outro dia acordo cedo, como de costume.

Me levanto para preparar o café, Luke ainda dorme, pois seu horário de acordar não havia dado, e ele pelo visto estava dando um tempo nas teorias. Clarice está em seu quarto desde ontem, a plaquinha se manteve intacta. Mona ainda não voltou, então me vejo sozinha sem ter o que fazer, logo cedo.

Resolvo ir ao trabalho de Ramona levar sua comida, já que, levando em consideração a hora, ela, seja lá de onde estiver, já deve estar indo pra lá.

Preparo o mesmo de sempre, sei do que ela gosta, então não é muito difícil.

Ao chegar lá me deparo com uma secretária.

-Oi, bom dia, eu gostaria de falar com a Ramona, se possível. -digo sorridente a moça com o crachá escrito Michele.

-Bom dia, a senhora é parente dela? -ela responde, devolvendo o sorriso.

-Não, moramos juntas... Ela esqueceu de trazer a comida, e como ela fica aqui o dia todo, sabe como é...

-Acho que está havendo algum engano, senhora. A Ramona que procura só entra no trabalho as 11:30hrs.

Onze e meia? Mas então porque ela sai tão cedo todo dia? Onde ela fica esse tempo todo?


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