17. Ramona

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Meus dedos deslizam a caneta pelo papel de maneira automática enquanto eu digito a simulação no computador. Vantagem da ambidestria. O azar é que talvez eu esteja errando ambos, nunca se sabe, principalmente hoje que estou tão distraída. Quero dizer, sempre estou distraída, mas hoje está realmente difícil manter meus olhos abertos e minha mente clara.

Me lembro de como Clare me disse que eu deveria me divertir mais. Quase gargalho quando esse pensamento me toma a mente. Clarice é assim, parece que não saiu da adolescência, sempre se divertindo ou arrumando algum jeito de fazê-lo.

Não fiquei surpreendida quando a vi entrar na sala do chefe da Nina outro dia. Clare é bem impulsiva, mas aquele ato foi total imprudência. Fico imaginando caso, por algum motivo louco, eles voltem a se encontrar, ou pior: se ele conversar com Nina sobre isso! Clare não tem jeito. Bufo pensando que, mesmo não sendo tão certo o que ela fez, provavelmente foi bem divertido. Isso é quase certeza, na verdade.

Solto uma gargalhada um pouco alta quando lembro dela dando de ombros no táxi e apenas dizendo "Você que precisa se divertir mais! Essa tua cara emburrada é falta de orgasmo". Saio do laboratório para comprar café da lanchonete. Preciso me manter acordada.

Preciso de muitas coisas no momento, a mais importante é, sem dúvidas, conseguir um novo emprego. Relutante eu desisti da oferta que me foi oferecida. Quero dizer, não é como se desistir do meu sonho fosse simples e eu nunca quis trabalhar em escritório. E ao menos por enquanto eu vou conseguir me manter com o dinheiro que o governo me dá.

Há também o problema do orientador, que eu não tenho mais. E do meu projeto parado. E do hotel de São Carlos ser uma facada enorme no meu bolso quase vazio. Volto para o laboratório bebericando meu café na esperança que este funcione mais rápido no meu organismo. Uma descarga de adrenalina é o que necessito no momento.

Volto minha atenção ao meu caderno rabiscado e percebo que há mais rabiscos que o normal. Percebo que os rabiscos que não são meus. Volto o meu olhar para Miguel, trabalhando em seu computador, na minha frente. Espero que a CPU pegue fogo e exploda na cara dele. Ele levanta o olhar e me encara com um sorriso de canto.

–De nada. –ele diz, e acho que vou socá-lo.

–Eu não te pedi nada.

–E eu não faria se sua conta estivesse certa.

Ergo minhas sobrancelhas.

–Eu descobriria o erro na simulação do computador.

–Claro, horas depois. Novamente: de nada.

–Qual é a porra do problema com você? Não estamos em sala de aula, professor.

–Não, qual é o problema com você. Teu projeto está todo atrasado e você fica aqui, querendo brincar com grafeno e simulando reações no computador.

Abaixo a cabeça, me voltando para minha conta. Nem sei o que estou fazendo. Estou pensando em trocar de área. Ou talvez é só crise dos trinta antecipada. E só que, a cada dia que passa, parece que sei menos o que que estou fazendo com minha vida.

Além de que, armazenamento de informações em partículas subatômicas e a própria nanotecnologia está largada aos ratos no Brasil. O governo caga e anda. Assim eu me sinto desestimulada a continuar minha pesquisa sabendo que um país desenvolvido com certeza está em disparada na minha frente.

Eu sempre gostei de física de partículas, mas estou pensando seriamente em mudar de área. Talvez eu me aventure em cosmologia, por exemplo. Torço o nariz para esse meu pensamento. Cosmologia não é tão elegante quanto física quântica.

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora