8. Ramona

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A vida às vezes te prega umas peças que você não acredita. Estou eu acordando em um sofá desconfortável, toda torta, em uma casa desconhecida. O ambiente é muito iluminado e pisco os meus olhos várias vezes até me acostumar com a iluminação. A parede que dá para um outro prédio é feita inteira de vidro.

Me sento e fecho o botão da minha calça. Abri na tentativa de ter mais conforto, o que não adiantou muito por causa do calor da noite anterior. Ainda está bem quente. Culpo o aquecimento global, muito obrigada.

Minha camisa vermelha está apoiada no braço da poltrona e meu sutiã no banco, uso apenas a regata branca dobrada como um top. Estou suada ainda, minha nuca está úmida mesmo com meu cabelo amarrado. Odeio calor, pior tempo.

Na noite anterior estava extremamente irritada com minha rotina, coisa que eu odeio. O dia já começou péssimo quando sentei naquele mesmo banco, como todos os outros dias, e não a vi. Ela deixa meu dia mais alegre. Quem diria, logo eu que não gosto de ter apego a nada, detesto qualquer forma de rotina, faço esse ritual todos os dias: assisto seus cabelos cor de mel sobrarem ao vento enquanto ela empurra crianças no balanço por trás das grades vermelhas.

Carlos, o chefe do meu departamento, e também o idiota que me passou mais trabalho do que eu deveria fazer, me tratou muito mal quando o questionei. Não tinha como ficar bom para o meu lado, aceitei calada o que ele disse, engolindo cada palavra. Não havia muito o que fazer, nem sei o que estava pensando quando o questionei, eu preciso muito daquele emprego.

Na volta da universidade, parei na estação Paulista em vez de ir direto para casa com todos os dias. Resolvi que precisava andar e pensar um pouco e acabei entrando em um barzinho que sempre achei interessante, mas nunca tinha tempo que visitar.

Pedi ao barman alguma bebida forte aleatória que nunca tomei. Não entendo de bebidas, o máximo que tomo é vinho e já é o suficiente para me deixar mais do que tonta. Fiquei olhando a bebida por um bom tempo, examinando o estilo do copo, pensando se o volume calculado que cabe dentro dele é suficiente para afogar todas minhas dúvidas e todo meu descontentamento com minha vida, que anda mais do que uma droga.

Eis que o destino, a vida, o universo ou qualquer coisa do tipo se dedicou em terminar de punir meu dia: apareceu ao meu lado, totalmente bêbado, ninguém mais ninguém menos que Miguel. Se sóbrio o cara já é um saco, bêbado ele é um saco elevado a googol. Continuei com a cabeça abaixada, torcendo para que ele não me visse enquanto ao meu lado virava mais um copo de sei-lá-o-que.

Mas claro que meu azar pesou contra mim e ele se virou. Os cabelos estavam bagunçados e a boca semiaberta cheirava a álcool, parecia estar pior do que eu imaginava. Ele formou um sorriso pouco a pouco no rosto a medida que ia me reconhecendo. Aproximou seu rosto do meu levando a boca ao meu ouvido e proferiu com o arrastar das palavras "Você fica gostosa de vermelho". Revirei meus olhos, levantei da cadeira e me sentei o mais longe possível.

Deveria ter saído daquele bar e voltado para caso, pelo horário chegaria duas e pouco da manhã. O barulho da música ao vivo só estava me deixando mais irritada e ainda não tinha tomado nada. Me debrucei sobre o balcão e acabei cochilando dado o meu cansaço.

Quando acordei e saí do bar, Miguel estava sentado na sarjeta, com os primeiros botões da camisa abertos. Talvez tenha sido essa minha síndrome de boa pessoa, não sei. Nem pensei muito no motivo pelo o qual eu fiz aquilo. Tentei levantar Miguel do chão e o fiz se apoiar em mim, dei sinal para um táxi e rezei para que ele conseguisse dizer ao menos onde ele morava.

Abri a porta e o empurrei, o taxista me olhou pelo retrovisor e disse que não o levaria caso eu não fosse também. Me irritei um pouco, mas o senhor tinha razão, qual a certeza que ele tinha que um bêbado o pagaria pela corrida?

Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora