twenty two

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Ao colocar meu pé para fora da clínica uma sensação boa me invadiu, eu me sentia livre, como um pássaro sendo liberto de sua gaiola, podendo voar para todo e qualquer lugar, podendo ser quem sou. As cores pareciam mais brilhantes, o azul do céu e o branco das poucas nuvens facilmente confundidas com algodão, o amarelo brilhante que vinha da direção do sol. As árvores florescendo após um inverno rigoroso. Tudo parecia mais bonito, até mesmo eu.

Eu me enxergava como uma pessoa melhor, mais forte e mais feroz. Dentro de mim apossava um sentimento de vitória, eu era mais forte que elas e isso estava de bom tamanho, já que essas pessoas não me deixariam. Mas tudo ainda ficou melhor quando olhei para Harry e sorri, sabendo que ele também não deixaria.

Seus compridos e ossudos dedos estavam entrelaçados ao meus, sua mão cobria a minha como uma peça perdida de um quebra-cabeça, ele era a peça final para tudo isso. Harry era a razão para lutar, para ir contra todas elas e mostrar o quão forte sou. O garoto era minha força e minha fraqueza, minha felicidade e também a tristeza, a calmaria e a euforia. Todos precisamos de ambas as coisas, a vida seria fácil demais somente com coisas boas. Além de fácil, seria entediante e em nossa primeira queda iríamos acabar em pedaços.

Você já está em pedaços.

Ouvi a voz saída como um sussurro, tão inaudível que se fosse uma verdadeira voz qualquer pessoa de fora não ouviria, como estava exatamente em meu cérebro eu podia as ouvir. Mas então sorri, negando com a cabeça. Já me senti em pedaços, talvez até morto por dentro, sem forças, sem noção do tempo ou espaço, minha vida havia sido desperdiçada e eu tinha medo. Um medo que me consumia pouco a pouco, que matava cada pequeno pedaço do meu corpo, da minha alma, dos meus sentimentos e sentidos.

Muitas vezes as pessoas preferem ver o transtorno mental como algo bonito e poético, é mais fácil encarar algo tão complexo desse jeito. Para os outros as vozes em minha cabeça brincam comigo, falam coisas bonitas e melhoram minha vida. Para os outros a bipolaridade é algo relacionado à falta de atenção, não percebendo que ao explodir posso matar qualquer um em minha frente. Não percebem o perigo, acham que eu podia me controlar e eu não podia, eu era submisso delas, fazia o que me era mandado pensando em talvez ouvir suas preces e assim elas me deixariam. Sempre fui tolo, querendo me distanciar, querendo apenas a paz.

Você terá paz quando acabar com o seu bem mais precioso.

E esse sentimento tão desconhecido apareceu para mim junto com aqueles olhos verdes e o sorriso de covinhas. A voz rouca, forte, porém calma. O abraço aconchegante, o corpo escultural. Harry trouxe paz para mim, o que eu já achava impossível. Fez-me pensar em um futuro, fez-me ser uma pessoa melhor, aprender com ele e o ensinar, confiar nele e em todos ao meu redor.

Essa é a base de um relacionamento: confiança. Eu confio minha vida inteira nas mãos do menino cacheado, confio meus segredos mais obscuros e sei que não haverá risada na sua fala, não haverá brincadeiras, apenas compreensão. E ao mesmo tempo sei sua confiança em mim, ficando perto mesmo com meu distúrbio, segurando meu corpo em seus braços em meus surtos e mesmo depois de ferir-se voltar para mim.

Ele não deveria confiar em você.

Fechei os olhos com força, encostando minha cabeça do ombro do garoto maior. Nossas mãos estavam entrelaçadas, sempre juntas, algo que não podia mudar e não iria.

— Como você está se sentindo? - Abri meus olhos, encontrando seu sorriso fraco, mas o brilho cristalino em suas orbes verdes. — Ainda com muito medo?

Sorri, negando com a cabeça e colocando minha cabeça em seu peito, o vendo acariciar meus cabelos já compridos.

— Eu me sinto livre. - Soltei uma risada baixinha. — Eu não estou com medo, Hazz. Você está aqui comigo.

schizophrenia » larryOnde histórias criam vida. Descubra agora