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10:00 AM

À medida que deixo o edifício a minha boca fica seca e o meu peito muito apertado. Uma incontrolável vontade de chorar surpreende-me enquanto caminho pela rua abaixo afastando-me de sua casa. Não quero nunca mais voltar, não quero vê-lo novamente, não quero que me toque ou sequer que fale comigo. Quero esquecer o facto de que realmente lhe entreguei o meu corpo e inocência. Um homem que não quer saber o que sinto. Devia ter sabido que isto ia acontecer, que me ia magoar imenso a mim mesma se me aproximasse muito. Sinto que já tive esta conversa comigo antes.

Aperto o casaco contra o meu corpo, e caminho devagar. Olho ao meu redor vendo toda a gente muito ocupada nas suas vidas. Quando me decido sentar num dos bancos do parque, sei que tenho que aparecer no bar da Rebecca e explicar-lhe o que aconteceu, ou inventar uma desculpa. Preciso de me desculpar pela minha irresponsabilidade. Perdi o meu trabalho. Sou uma merda.

Tiro o meu telemóvel da minha barata e não muito bonita mala e procuro pelo número da minha mãe nos contactos. Suspiro muito alto antes de chamar.

- Olá? Violett, filha, és tu?

- Mãe. - Eu murmuro muito triste.

- Como estás? Não falamos há algum tempo. Tenho tantas saudades, meu amor. - A minha mãe parece feliz, mesmo com a sua doença.

- Estou bem. Eu acho...- Digo. - E tu? Como estás? - Tento não mencionar o facto de que sei acerca do cancro no outro órgão.

- Eu estou bem. Estou num clube de teatro e é tão divertido! - Ela ri e eu sorrio entre as lágrimas que caem pela minha cara.

- Sim? Conta-me mais, mamã.

- Então, reunimo-nos no teatro da cidade três vezes por semana. Agora vamos fazer uma peça chamada "Nem Love", é linda. Eu sou a mãe de uma rapariga que se apaixona pelo rapaz errado. - Sinto que estou a viver algo como isto. - É muito, muito divertido! Passo as tardes a ensaiar sozinha. O teu pai está farto de me ouvir dizer as mesmas falas todos os dias! - Ela ri e parece tão feliz que derrete o meu coração.

- E a tua saúde? - Pergunto. - Sei que ainda não fiz a transferência bancária, mas vou fazê-la muito brevemente. Só preciso de mais alguns dias-

- Violett, doce, sabes que não precisamos do teu dinheiro. É teu, tu ganhaste-lo.

- Mas quero ajudar. Nem sequer discutas isto comigo, mãe. Tu precisas dele. - Digo. - Agora mais do que nunca. Quero saber tudo sobre os tratamentos e tudo o que o médico tem a dizer sobre ti-

- Eu parei o tratamento. - Congelo.

- Tu fizeste o quê? - Grito. - Mãe estás a brincar comigo? Não podes fazer isso! Estavas quase livre do cancro.

- Não, não estava. Querida, eu e o teu pai já aceitámos o facto de que não vou sobreviver. Não podemos fazer nada e não vou pagar por tratamentos que não me ajudam.

- Mãe... - Choro. - Porque é que me estás a fazer isto?

- Eu amo-te tanto. Não quero que vivas na sombra da minha doença e não aproveites a tua juventude.

- Mas eu preocupo-me porque quero!

- É a minha decisão. Não precisas de enviar mais dinheiro. Isso acabou.

- Estavas a ficar melhor...

- Não. O que me está a fazer melhor é acordar todos os dias e saber que tu e o teu pai me amam, é saber que tenho amigos e estou a fazer o que amo com a minha vida. Isto é o que me faz sentir viva. - Ela vai morrer e não posso fazer nada. Merda! Merda! Foda-se para a minha vida! - Sinto a tua falta. A peça vai estrear no próximo mês, devias vir cá e ver, se tiveres tempo para tal, claro...

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