O Caso de Juvia Lockser. - Amargo

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 Talvez seja meio estranho eu voltar a descrever os eventos ocorridos considerando que ignorarei um grande período. Na verdade, as coisas acabaram por se resfriar – para além do sentido literal da palavra. O inverno em Magnólia transformava a cidade em um ambiente cinzento, as pessoas preferiam ficar em suas casas e se acolherem em seus suéteres e cobertores a saírem e enfrentarem o vento cortante, especialmente nas manhãs nevadas. Era uma estação para a família também, já que os momentos mais agitados eram quando nos reuníamos na sala de estar para assistir algum filme policial ou de suspense – os garotos vetaram os de romance e eu os de terror. Era divertido dividir o balde de pipoca gigante ou a grande manta velha que Ur achara em um dos armários.

Quanto a mim, bem, a maioria dos meus problemas e preocupações tomaram seus rumos para longe. Após o ocidente, minha recuperação e tudo o que veio como consequência do ocorrido no quarto de Gray, a sensação de plenitude finalmente pareceu nos alcançar. Claro que ela não foi instantânea, antes de chegarmos até a tal houve mais algumas ínfimas questões a se resolverem, como conversar com Ur sobre o que estava ocorrendo entre mim e seu filho adotivo – na época, ao menos para mim, era estranho repentinamente denominar aquilo um "namoro", afinal eu mesma ainda me acostumava com a ideia. Isso fez com que, de ínfimo, o pequeno conflito me deixasse extremamente envergonhada.

Só para iniciar a explicação da situação, todo o resto do Casarão estava espiando a mim, o moreno e Ur por detrás da porta da sala onde estávamos - de um modo nada discreto, diga-se de passagem -, e Ul berrava "Hallelujah" enquanto preparava o almoço, criando a ironia propositalmente. Isso ocorreu aproximadamente dez dias após de eu receber a alta do hospital, graças ao fato de que tínhamos conseguido convencer os outros jovens a fingirem que não sabiam do ocorrido (e flagrado) por esse tempo. Nada tínhamos dito, para ser sincera, eles simplesmente haviam respeitado nosso silêncio. Nesse meio tempo, foram especialmente estranhas as refeições em grupo, nas quais eles ficavam nos encarando, esperando "a deixa" para que pudessem tocar no assunto.

Foi exatamente por conta desse clima que fazíamos questão de nos sentar separados, mas não fazia muita diferença: bastava nossos olhares se cruzarem que todos os outros jovens pareciam imaginar que o ambiente pegaria fogo, que iríamos começar a nos beijar ali mesmo. Pois é. Era inevitável a tentativa de evitar qualquer tipo de contato visual, então tivemos que nos conformar.

Ao observar a reação de Ur, quando fizemos o tal "comunicado oficial", considerei a possibilidade de ela mesma saber da história, de mim e dele há muito tempo. Nunca tivera muita experiência com mães, mas já ouvira que elas por vezes entendiam o que se passava com um filho antes mesmo do próprio. Talvez imaginasse que, depois do ocorrido e dentro de todo o contexto pelo qual passamos, nós nos envolvermos fosse o mais provável. Era claro que já tinha ouvido a notícia de algum dos outros, mas ela pacientemente se sentou em uma poltrona e ficou esperando o momento em que nos sentíssemos confortáveis para falarmos. De um modo bem conciso, Gray o fez:

− Mãe... Então... Estamos saindo agora. – ele segurou meu pulso e ergueu meu braço como que para demonstrar o que acabara de dizer, enquanto com a outra mão coçava a nuca.

Senti vontade de chutar sua canela.

Ele não tinha melhorado muito no fator "sensibilidade".

Não esperava algo muito diferente disso, de todo modo. No fundo, imaginava e desejava que ele estivesse tão constrangido quanto eu, apenas expressando isso de outro modo: as suas orelhas estiveram vermelhas o tempo todo. Isso era algo que ocorria inconscientemente, deduzi. Ele conseguia manter a feição de quem não se importava, mas elas o denunciavam para mim.

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