"Ela tinha nascido há exatos 17 anos. Não que ninguém tivesse se importado com a criança de mais um parto mal sucedido em que a mãe morre. Nos primeiros cinco minutos, cinco horas, cinco dias, as notícias até rodaram pela cidade, mas não duraram muito mais. O Conselho Tutelar concordou, por algum estranho motivo, com o depoimento dado a eles pelo pai: a mãe estava em depressão logo antes do evento, e ele, abalado, desempregado e sem dinheiro, não tinha condições de sustentar e criar o bebê. A menina, quase transparente de tão branca, foi colocada sobre os cuidados de um tio, um jovem que mal sabia que rumo tomaria na vida, muito menos como cuidar dela.
Juvia Lockser era seu nome. Não que tivesse muitos amigos para os quais assim se apresentar. Lembranças dos pais ou do tio não tinha, era muito nova para tanto quando sua situação foi redefinida e foi designada ao orfanato. Pelo menos essa era a história que haviam lhe contado. Supostamente seu tio, também 'quebrado' e com sonhos demais, não conseguia projetar um futuro em que a garota fosse feliz ao seu lado. No orfanato, ao menos, a pequena teria contato com outras crianças, com adultos e autoridades que não tivessem os corpos completamente tatuados, constantemente fedessem a bebida ou chorassem com grande frequência – basicamente toda a parte paterna da família de Juvia em um desses casos se encaixava. Mesmo assim, a garota no futuro veio a se perguntar o porquê de ele nem ao menos ter tentado.
Nos seus primeiros anos naquele ambiente, Juvia se agarrou à única marca material de que já havia tido uma família: um teru teru bozu que viera com a mochila de roupas que seu tio com ela deixara e que adorava chupar quando bebê. Gostava de imaginar que ele já havia sido de sua mãe, que por seus pais fora costurado ou simplesmente os visualizar comprando artefato com um xamã de rua. Nem pensava muito nos porquês daquilo ser a única coisa que lhe fora deixada, seu significado popular ou como poderia ser estranho o fato de uma garota de cinco anos carregar tal boneco para todos os lados: era como se os pais estivessem por perto, a observando.
Na realidade, Juvia não compreendia o porquê de alguém ter inventado um teru teru bozu: ela amava a chuva. Não havia melhor sensação do que a que sentia ao se esconder nos fundos do orfanato e observar a água cair das calhas do telhado, formando poças à sua volta. Enquanto todas as crianças corriam para se proteger do frio e da tempestade, ela costumava trazer seu cobertor para aquele canto coberto e seco e observar tudo ficar meio úmido. Caso não soubesse que levaria uma rebordosa se voltasse para dentro molhada, ela dançaria na chuva até ela parar, mesmo que isso lhe rendesse um resfriado mais tarde. O único ponto negativo, no entanto, era que ficar ali sozinha era um pouco solitário. Ela era solitária.
Tinha se acostumado com não ter pais, família ou amigos com o passar dos anos. Quanto aos dois primeiros, entendia que algumas pessoas simplesmente não os possuíam, e, nas poucas vezes em que se sentia triste por isso, contava com as mãos tudo de bom que já havia lhe acontecido. Pelo menos tinha aos professores e a aqueles que se penalizavam dela. Também não fazia esforço para se aproximar de ninguém, sendo tão tímida e reclusa. Achava que talvez a parte boa da solidão, o sentimento de ter um universo exclusivo, fosse embora se começasse a compartilhar tudo que pensava. Tinha se desacostumado a dividir, ou melhor, nunca dividira.
− Você é meio estranha. – a Juvia de nove anos se assustou ao ouvir uma voz vinda do seu lado. Ao se virar, deparou-se com um garoto não muito mais alto do que ela, magrelo, moreno e com os cabelos escuros batendo na altura dos ombros. Em sua bochecha esquerda, havia um roxo levemente ensanguentado.
− O-o qu-que? – ela demorou um pouco a responder. Fazia certo tempo que se comunicava apenas com meneios de cabeça.
− O-o qu-que...? – ele ironizou, logo depois estalando a língua. – Eu disse que você é estranha.
![](https://img.wattpad.com/cover/32930232-288-k17522.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Somebody To You
RomanceJuvia Lockser está para começar o segundo ano do seu ensino médio. Insatisfeita com sua antiga escola em vários sentidos, ela decide se mudar para o Centro de Treinamento da Ur, em Magnólia, amplamente conhecido por formar atletas campeões nas compe...