Solidão

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Mais um dia de aula se iniciava. E mais um dia eu passava a manhã inteira sozinha. Antes eu tinha tentado fazer amigos, mas depois eu acabei desistindo. Quando eu ia falar com as pessoas, elas simplesmente se afastavam e começavam a falar mal de mim.

No colégio, eu costumava ser chamada de "louca" ou "lunática", e tudo isso por causa do meu passado. Na infância eu não conseguia conter as minhas reações diante do sobrenatural, então eu ficava olhando para o "nada" (como diziam) fazendo expressões de medo ou ódio. Isso assustava algumas crianças e dava graça para as outras, o que me deixou com esse tipo de fama. E como eu estudo no mesmo colégio desde pequena, alguns alunos ainda fazem questão de mostrar para todos a minha "anormalidade". O que comprometeu minha moral e me transformou em uma estudante ignorada pelos outros.

Repentinamente o sinal bateu e eu corri direto para a classe, com esperanças de que o professor de Física ainda não tivesse chegado. Quando entrei, me deparei com a mesma sala que estava acostumada: meninas no canto fofocando, garotos sentados nas carteiras falando de esportes, enquanto o restante conversava em duplas, lia um livro ou escutava música. Eu ficava na última carteira da fileira das janelas, geralmente olhando para o jardim da escola ou desenhando alguma coisa.

- Samantha...

De repente ouvi algo me chamar. Não parecia ser a voz de algum dos meus colegas.

- Aqui, Samantha, ao seu lado.

Olhei para os lados, mas nada vi.

Até que notei uma coisa: minha visão começou a ficar meio escura, como se eu estivesse perdendo os sentidos (apesar de na verdade não estar).

- Até que enfim você pode me enxergar com mais "clareza". - disse entre risos abafados. - Sabe...eu sempre fui muito solitário, as pessoas me temem e por isso eu acabo andando sozinho. Mas hoje não... - sua voz tornou-se quase um sussuro - Hoje eu ganhei uma companhia. Se quiser pode me chamar de solidão, é o meu apelido mais comum.

- Não... - sussurrei baixo para ninguém ouvir.

O ar gelava ao meu redor. Mas não era um dia tão frio.

- O que foi? Está com medo de mim?

- Fique longe de mim - continuei, indo em direção ao meu lugar - Eu apenas quero paz.

- Eu posso te dar toda a paz que quiser minha querida. Você sabe. Solidão é igual a sossego, paz...isolamento.

A última palavra que o monstro pronunciou me deixou arrepiada. Ficar sendo lembrada disso toda hora era simplesmente torturador.

- Me deixe sozinha, não quero sua companhia.

- E quem disse que eu não vou te deixar sozinha? - aquilo falou, parecendo afastar-se de mim - Você sempre se lembrará de mim como uma das piores dores que já teve. Como posso não te deixar sozinha?

Repentinamente a minha visão começou a voltar ao normal e notei que a sombra já tinha ido embora. Suspirei de alívio logo em seguida

Após alguns minutos o professor apareceu na porta, pedindo desculpas pelo atraso, e com rapidez colocando a mala do notebook e a mochila na mesa, enquanto pedia para os alunos abrirem o livro na página 73.

***

Depois de mais três aulas, o sinal bateu novamente: era hora do intervalo. E como habitual, meus colegas saíam às pressas da sala, deixando-me como a última aluna que presente na classe.

Sem muitas opções do que fazer, peguei o meu caderno e andei em direção ao pátio, posteriormente sentei-me em um banco próximo de uma árvore e comecei a desenhar, parando em certos momentos para olhar o meu redor e ver o quanto me sentia só.

É difícil você notar as pessoas rindo e se divertindo na companhia de outras, sendo que para si não é a mesma coisa. Você é ignorado e isolado dos outros, apenas pelo fato de ser um pouco...diferente. Às vezes eu ficava pensando: "Será que se eu tivesse aprendido a controlar desde pequena, teria tudo sido diferente? Eu teria amigos que nem eles? As pessoas iam parar de virar a cara pra mim?".

Porém, por outro lado, não tinha como eu saber de tudo isso, certo? Ninguém nasce sabendo lidar.

Enquanto eu estava mergulhada em perguntas, uma ventania passou de súbito, fazendo algumas folhas do meu caderno passarem para o outro lado. O desenho que ficou à mostra diante de meus olhos apresentava duas garotinhas: uma de cabelo preto e outra loira de mãos dadas, ambas sorrindo.

Suspirando, folheei para uma página em branco e comecei o esboço da criatura que eu tinha visto naquela mesma manhã.

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