Traição

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Já se sentiu traído alguma vez? Se sim, veio de alguém que você considerava importante?

Pois eu já passei por isso. E entendo perfeitamente a sua dor.

Lembro que eu estava sentada, sozinha, no balanço do parquinho da escola, enquanto olhava as outras crianças brincarem juntas. O dia estava ensolarado e quente, como um dia de verão costuma ser. Faltava poucos meses para eu completar 9 anos.

Jessica foi a primeira menina a se aproximar de mim, sem demonstrar medo ou intenções de atormentar. Ela estava saltitando ao mesmo tempo que chegou mais perto de mim.

Quando nossos olhos se encontraram, ela já estava sentada no balanço do lado, mostrando um largo sorriso para mim.

- Oi, meu nome é Jessica. - disse, gentilmente.
- Olá... - falei, tentando esconder mais o rosto.
- Você é a Samantha, não é?
- É...
- Podemos ser amigas?

A pergunta veio de modo repentino. Ninguém nunca havia me pedido aquilo antes.

- Amigas? Eu e você? Tem certeza? - questionei, duvidando do momento.
- Sim, por que não? Vi que você está sempre sozinha, então quis saber se você não quer ser minha amiga...

Eu não sabia o que dizer na hora. Ainda não estava acreditando naquilo.

- E por que você quer ser minha amiga? Não me acha estranha como os outros? - perguntei, olhando diretamente em seus olhos, procurando algum rastro de mentira.
- Não gosto de ver os outros sozinhos e eu não te acho estranha. Você parece ser legal. - Jessica respondeu, esboçando outro sorriso.

Era a primeira vez que alguém falava aquilo para mim.

- Legal...? - murmurei, surpresa com o elogio. - Não me acha estranha mesmo? Nem um pouco?

Uma luz no fim do túnel parecia ter finalmente aparecido.

- Claro que não! - ela afirmou, rindo. - Você só prefere ficar no seu canto não é? Acho que os outros acabam falando mal sem te conhecer melhor antes...

E assim, fiz minha primeira amiga.

Minha primeira e última amiga.

Tudo começou numa tarde de sábado, estava chovendo na cidade e eu, como sempre, estava desenhando em meu caderno. Tinha resolvido fazer um vaso com rosas vermelhas (são minhas flores favoritas).

Na hora que eu ia pintar as pétalas, meu celular tocou, fazendo-me repousar o lápis avermelhado.

Olhei na tela e vi o nome de Jessica. Atendi sem hesitar:

- Oi, Jéss - era assim que eu costumava chamá-la.

- Oi, Sam! Então...tenho uma notícia bombástica pra te contar! - ela falou, animadamente.

- O que aconteceu?
- Sabe o Davi? Aquele moreno incrível que eu apresentei pra você?

Como não lembraria dele? A primeira coisa que ele fez, quando me viu, foi lançar um olhar esquisito e enojado em minha direção.

- Sim... - respondi, enquanto apontava o lápis verde. - Por que pergunta?
- Ele me chamou pra sair!
- Ah...que bom, eu acho.
- O que foi, Sam? Você parece mais desanimada que o normal... - ela comentou, baixando o tom de voz.
- Não é nada de mais. Só acho esse garoto meio...falso.
- Ele não é falso! Na verdade, é um gato! Tão lindo e musculoso...aqueles olhos azuis me fazem sentir nas nuvens... - ela disse, apaixonadamente.
- Se você diz...mas toma cuidado, há lobos que vivem debaixo da pele de um cordeiro...
- Você e suas expressões poéticas...bom, não se preocupe, sei me cuidar. E eu já vou indo, preciso terminar o trabalho de Geografia. Falo com você depois.
- Até mais tarde.
- Beijos! - minha amiga respondeu, desligando em seguida.

Depois dessa ligação, Jessica e eu mal conversamos durante um mês inteiro. No início, eu até não estava pensando tanto sobre o assunto (ela estava apaixonada, então provavelmente grudaria no rapaz nas primeiras semanas), mas após algum tempo, comecei a estranhar a situação. E assim os pensamentos ruins começaram a me ruminar por dentro.

Por conta do medo, e também da preocupação, decidi ligar para ela em uma sexta-feira à noite.

Ninguém atendeu.

Tentei uma segunda vez, porém deu no mesmo resultado. Acreditando que ela poderia estar ocupada naquela hora, resolvi ligar no dia seguinte. No entanto, isso foi ocorrendo repetidas vezes durante uma semana inteira. Nem as minhas mensagens ela respondia mais. Então, concluí que deveria esperá-la no portão da escola que ela estudava.

Naquele dia, o clima estava bem frio.

Era horário de almoço e por pouco eu quase não consegui chegar a tempo no local.

Recordo-me de ter visto Jessica saindo com mais outras duas garotas. Estavam todas conversando alegremente.

- Ei, Jéss! - chamei-a, enquanto corria em sua direção.

Mas ela não se virou...na hora pensei que não tinha me escutado.

- Jessica! - tento mais uma vez.

Finalmente tinha conquistado sua atenção.

Mas tinha algo de errado.

Não tinha notado de primeira, porém uma grande névoa escura estava ao redor dela.

- Quem é ela, Jessica? - questionou uma das meninas.

O olhar dela estava vazio, transmitia indiferença.

- Eu não sei. - ela respondeu, enquanto apertava os olhos . - Não a conheço.

Naquele momento, senti ela...ou melhor...senti a névoa encarar-me.

Eu não sabia como reagir. Então fiquei apenas parada, vendo o trio afastar-se cada vez mais de mim.

Minha amiga tinha me tratado como uma estranha, uma ninguém.

Minha melhor amiga...

E foi a partir desse dia que, definitivamente, não tive mais contato com ela. Para ser mais exata, ela tinha "sumido do mapa". Seu número de celular tinha mudado, ela não estudava mais no mesmo colégio e sua casa tinha uma placa de "Vende-se" perto da caixa de correio.

Além disso, Jessica não me disse nada e nem sequer deu explicação sobre o que aconteceu naquele dia.

E o pior é que eu fiquei com esperanças de que aquilo não fosse verdade...eu esperei pelo contato dela.

A inocente aqui tinha caído nas mentiras dela feito um patinho.

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