Capítulo 84 - Olhar.

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Layna

Arranquei o vende-se do jardim da minha casa de infância e entrei por uma das janelas que sabia que nunca fechava, a casa assobiava com o vento que cantava e conseguia ouvir a voz elegante da minha avó, que o acompanhava, a rodear-me e a fazer sobrevoar o vestido que tinha usado no baile horas antes.
Em nada me sentia só neste espaço rodeado de completo vazio, todas as memórias que tinha vivido nestes meus curtos anos de vida e nos longos dos meus avós vagueavam e corriam freneticamente na minha mente como uma criança pequena, talvez com a minha silhueta recatada.
Queria chorar para me sentir uma pessoa normal com a ausência dela mas tudo o que conseguia era sorrir, sorria porque ouvia o seu riso extrovertido a arrepiar-me a pele, sorria porque ouvia os passos dos seus sapatos de salto quase raso e antigo que nunca substituía. Sorria com a lembrança das suas lamúrias depois de partir um ou dois pratos durante a lavagem dos mesmos. Eram lembranças quentes e saudosas.

Tinha de voltar há casa onde habitava mas era este o meu lar.

***

Sentia o meu corpo pesado e dorido quando retirei as cobertas da cama. Peguei no telemóvel que tinha derrubado, talvez, durante o meu sono irrequieto e a conversa com Zayn saltou na minha mente.

Não percebia onde ele queria chegar com esta psicologia toda do ter de gostar de mim para que consiga ser dele.

Desci ainda com o pijama colocado e saudou-me um pai sorridente e desconhecido.

- Bom dia. - Proferiu.
- Bom dia. - Repeti com a voz rouca ainda da manhã.
- A noite de ontem foi pesada. - Brincou e eu apenas sorri. - Como correu?
- Bem. - Se a companhia fosse outra...
- Gostei do rapaz que te acompanhava, parecia ser bastante terra-a-terra e simpático. - Disse Claire assim que entrou com um prato de torradas ainda quentes. O seu cheiro desencantou cantares horrorosos no meu estômago.
- É... - Eles não insistiram em mais perguntas, esta mudança repentina ainda me fazia confusão e no fundo eles sabiam disso. 

Já me habituara às conversas chatas que dois adultos ainda mais irritantes conseguem ter.
O copo de leite quente incomodava o meu estômago, adorava leite mas sempre me colocava mal disposta.

- Layna? - Chamou o meu pai após bater na porta uma única vez. - Estas vestida?
- Sim. Entra. - Permiti. - Não me demoro nada a vestir.
- Não foi isso que te vim falar. - Pausou. - Hoje faz 20 anos que a tua mãe permitiu ser minha.
Não sabia bem que tipo de reação esperava ele de mim e por isso, apenas baixei o olhar.
- Desculpa. Não te queria massar com isto pela manhã.
- Não! Não tem importância. Nunca me falaste muito dela e... Quer dizer, nunca me falaram muito dela...
"As únicas memórias que me deixam ter é uma pequena foto de quando nasci e quando tenho parecenças na personalidade. Nunca me contaram histórias alegres e quando contam param de imediato porque esperam que me desfaça em lágrimas mas, eu, simplesmente não tenho pelo que desfazer.
"Amo-a com toda a minha vida mas apenas porque é minha mãe, nunca me foi permitido amar enquanto pessoa.
"Conheço-a nos meus termos mas não sei se estão certos. - Olhei-o. -Por favor sê tu o meu canal... - Pausei. - Se quiseres.
- Com todo o gosto. - Sorriu durante uns segundos e senti-o distante. Soltando risadas para si e para os seus pensamentos navegantes. - Por onde hei de começar.
- Como se conheceram?
- Foi por mero acaso, nada daqueles filmes tipicamente românticos, eu era amigo de uma amiga dela e estava com a Danielle, a tal amiga. - Esclareceu. - Encontramos a tua mãe, Autumn, por acaso na rua e elas cumprimentaram-se e apresentou-me. Achei o nome dela bastante invulgar e depois chateei a Danielle para que quando marcasse alguma coisa com ela não se esquecesse de mim. - Sorriu com a memória.
- E foi assim que começaram a falar?
- Não. A tua mãe era muito dona do seu nariz e não é mulher de se encantar por um rapaz como eu e isso fez-me apaixonar que nem um perdido. Durou anos a conquista por ela e nunca estivera tão concentrado num objetivo.
- E conseguiste!
- Consegui. As pessoas que te falam nas parecenças com ela estão corretas e são mais do que possas imaginar.
- Como assim?
- A Claire, na primeira semana que te instalaste, perguntou o que sentia da tua vinda e eu disse que foi como se voltasse atrás e voltasse a rodear a minha vida com a tua mãe. És muito independente e sabes o que queres para ti, sabes obte-lo sem incomodar afins. És bondosa mas não em demasia e sabes quando brincam contigo e não gostas disso mas também não fazes nada porque sabes que não vale a pena. Pelo menos a Autumn era assim. - Sorriu.

O olhar do meu pai era vago. Não sabia se me olhava ou apenas colocava os olhos sobre mim mas via um outro lugar ou um outro tempo.

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