19. Estava faltando alguma coisa.

163 15 4
                                    


- Pode entrar! - eu falei, um pouco apreensiva

A mulher tinha um ar sério e uma prancheta na mão. Eu estava esbaforida depois de toda correria para sair do meu turno a tempo de recebê-la. A assistente social olhou para todas as paredes da sala antes de se apresentar a mim.

- Margareth - ela foi um pouco seca

- Montreal - estendi minha mão a ela

- Bom, você já deve saber que estou aqui para inspecionar o lugar. Vamos começar?

Eu concordei com a cabeça. O fato dela não ser muito amigável me deixou ainda mais tensa. A mulher entrou pela sala, fazendo anotações na prancheta. Quando ia fechar a porta, Enzo apareceu, ofegante, como tivesse corrido pelo quintal.

- Estou atrasado?

- Não muito, entra - eu disse antes de fechar a porta

- Você vai ter que tampar essas tomadas muito perto do chão, ok? E proteger as quinas da mesa de centro da sala.

A mulher disse sem ao menos se virar e me olhar. Senti a mão de Enzo em meu ombro, tentando me acalmar.
Ela olhou pelas janelas, abriu gavetas e armários e constantemente anotava coisas que eu estava morrendo para saber em sua prancheta.

- Vamos subir? - ela se referiu olhando para a escada

Eu concordei com a cabeça. Eu e Enzo a seguimos escada acima. Ela foi ao meu quarto e fez anotações sem dizer nada. O mesmo aconteceu com o banheiro da suíte, o banheiro principal e o corredor. Ao entrar no quarto que eu estava reservando à Isadora, eu quebrei o silêncio.

- Esse vai ser o quarto dela. Estamos planejando pintar e colocar os móveis assim que possível.

A assistente olhou pela janela do quarto assim que eu disse isso.

- Vai precisar de uma tela ou grade de proteção aqui. E sempre mantenha essa parede livre de cadeiras ou outros objetos nos quais ela possa subir e acabar alcançando a janela.

Concordei com a cabeça.

- Tem mais um quarto, não?

- Sim, por aqui.

Esse quarto era o que mais me deixava apreensiva: era a suíte transformada em laboratório. Obviamente, a assistente não iria achar legal um quarto escuro cheio de substâncias químicas em uma casa com uma criança pequena.
Enzo fechou as portas do outros quartos para diminuir a luz e eu entrei primeiro, ficando de frente com a cortina preta de feltro que havíamos colocado na porta. A mulher parecia curiosa, mas continuava calada. Enzo fechou a porta atrás de si e foi um momento um pouco constrangedor estarmos ali, os três, no escuro, encarado uma cortina por alguns segundos. Acendi a luz vermelha e adentrei o cômodo, finalmente puxando o pano preto para o lado. Eu preferia não acender a luz normal, mesmo com os papéis fotográficos guardados e filmes já revelados. Eu era distraída, era minha cara deixar algo exposto e não lembrar. E eu não podia arriscar perder tudo.

- Seus olhos demoram um pouco para se acostumar - eu disse

- E o que seria esse quarto? Por que essa luz? - ela perguntou

- É um laboratório de fotografia. Um quarto escuro. Por isso não pode entrar nenhuma luz. Essa luz vermelha é intensa e somente ilumina lugares específicos. O papel fotográfico que eu uso não é sensível a ela.

- Eu não sei nem por onde começar a analisar.

Eu respirei fundo enquanto ela chegava perto demais de tudo para tentar definir o que era e, obviamente, fui explicando tudo o que havia no quarto.

21 AzulejosOnde histórias criam vida. Descubra agora