- Pode entrar! - eu falei, um pouco apreensivaA mulher tinha um ar sério e uma prancheta na mão. Eu estava esbaforida depois de toda correria para sair do meu turno a tempo de recebê-la. A assistente social olhou para todas as paredes da sala antes de se apresentar a mim.
- Margareth - ela foi um pouco seca
- Montreal - estendi minha mão a ela
- Bom, você já deve saber que estou aqui para inspecionar o lugar. Vamos começar?
Eu concordei com a cabeça. O fato dela não ser muito amigável me deixou ainda mais tensa. A mulher entrou pela sala, fazendo anotações na prancheta. Quando ia fechar a porta, Enzo apareceu, ofegante, como tivesse corrido pelo quintal.
- Estou atrasado?
- Não muito, entra - eu disse antes de fechar a porta
- Você vai ter que tampar essas tomadas muito perto do chão, ok? E proteger as quinas da mesa de centro da sala.
A mulher disse sem ao menos se virar e me olhar. Senti a mão de Enzo em meu ombro, tentando me acalmar.
Ela olhou pelas janelas, abriu gavetas e armários e constantemente anotava coisas que eu estava morrendo para saber em sua prancheta.- Vamos subir? - ela se referiu olhando para a escada
Eu concordei com a cabeça. Eu e Enzo a seguimos escada acima. Ela foi ao meu quarto e fez anotações sem dizer nada. O mesmo aconteceu com o banheiro da suíte, o banheiro principal e o corredor. Ao entrar no quarto que eu estava reservando à Isadora, eu quebrei o silêncio.
- Esse vai ser o quarto dela. Estamos planejando pintar e colocar os móveis assim que possível.
A assistente olhou pela janela do quarto assim que eu disse isso.
- Vai precisar de uma tela ou grade de proteção aqui. E sempre mantenha essa parede livre de cadeiras ou outros objetos nos quais ela possa subir e acabar alcançando a janela.
Concordei com a cabeça.
- Tem mais um quarto, não?
- Sim, por aqui.
Esse quarto era o que mais me deixava apreensiva: era a suíte transformada em laboratório. Obviamente, a assistente não iria achar legal um quarto escuro cheio de substâncias químicas em uma casa com uma criança pequena.
Enzo fechou as portas do outros quartos para diminuir a luz e eu entrei primeiro, ficando de frente com a cortina preta de feltro que havíamos colocado na porta. A mulher parecia curiosa, mas continuava calada. Enzo fechou a porta atrás de si e foi um momento um pouco constrangedor estarmos ali, os três, no escuro, encarado uma cortina por alguns segundos. Acendi a luz vermelha e adentrei o cômodo, finalmente puxando o pano preto para o lado. Eu preferia não acender a luz normal, mesmo com os papéis fotográficos guardados e filmes já revelados. Eu era distraída, era minha cara deixar algo exposto e não lembrar. E eu não podia arriscar perder tudo.- Seus olhos demoram um pouco para se acostumar - eu disse
- E o que seria esse quarto? Por que essa luz? - ela perguntou
- É um laboratório de fotografia. Um quarto escuro. Por isso não pode entrar nenhuma luz. Essa luz vermelha é intensa e somente ilumina lugares específicos. O papel fotográfico que eu uso não é sensível a ela.
- Eu não sei nem por onde começar a analisar.
Eu respirei fundo enquanto ela chegava perto demais de tudo para tentar definir o que era e, obviamente, fui explicando tudo o que havia no quarto.
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21 Azulejos
General FictionNão há nada mais angustiante que uma vida monótona. Montreal sabia disso. Acordar, trabalhar, estudar e dormir. No outro dia, repetir a sequência. Aos 26 anos, ela sabia que sua vida tinha um propósito, algo mais significativo do que apenas servir e...