10. Afinal somos amigos, certo?

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O tempo passou rápido demais. A quantidade de trabalhos e provas estava grande e eu estava tentando não entrar em curto-circuito com tanta preocupação em minha mente. Sr. Henke ainda passou um trabalho que eu achei extremamente chato: escolher uma cidade qualquer, que não seja turística, e fazer um guia turístico dela, visando as principais atrações de lazer, gastronomia, lojas, todas essas coisas. O objetivo era atrair pessoas àquela cidade. Eu não estava com a menor vontade de fazer isso, mas valia muito na nota, já que era o trabalho final. Ele queria testar nosso poder de persuasão e eu sabia que o meu era nulo.

Na quarta-feira, quando voltava do trabalho, exausta e com os pés machucados do patins, passei pela rua de carro e vi Charlie do lado de fora, colocando o lixo na lixeira de sua casa. Eu parei meu carro e o chamei. Eu estava adiando essa conversa há muito tempo já.

- Olá, Montreal - ele falou, ao me ver sair do carro

- Boa noite, Charlie. Será que a gente pode ter uma conversa rápida?

- Claro, não quer entrar?

- Não, é melhor aqui fora mesmo.

- Tudo bem, qual o assunto? Precisa carregar algum móvel, cortar grama?

- Não é nada disso. Quero perguntar como está Daniel. Eu encontrei com ele semanas atrás e ele ainda parecia estar bem chateado comigo.

- Ah - ele hesitou - Ele não fala muito sobre isso. Está centrado nos estudos agora. Está quase sendo aceito numa universidade.

- Que ótimo! Fico feliz em ouvir isso!

- É, ele não queria fazer faculdade, mas agora parece que resolveu sair da cidade.

- Que boas notícias, sério. Eu só queria mesmo checar se está tudo bem com ele. Da última vez que nos encontramos ele acusou uma pessoa de algo que eu acho que ela não fez e foi grosso comigo, espero que ele esteja melhor.

- Essa pessoa que ele acusou... Por acaso é o seu vizinho? Enzo Scopelli?

- Sim, por quê? - eu o olhei desconfiada

- Porque eu sei do que Daniel possa ter acusado ele. E não é de todo mentira...

- O quê? - me espantei

- Sabe, quando a mulher dele engravidou, ouvimos brigas vindas da casa deles. Ele dizia que não teriam condições de criar uma criança, que era inviável. E depois a esposa dele morreu assim, meses antes do parto... A vizinhança toda pensa que ele realmente a obrigou a abortar, só que acabou dando errado.

Eu não conseguia falar nenhuma palavra depois daquilo. Balbuciei algumas coisas sem sentido, para depois me recompor.

- Não, vocês estão enganados - falei - Ele nunca faria uma coisa dessas.

- Já faz quatro anos e ele nunca superou. Talvez seja a culpa.

- Eu mal posso acreditar que estou ouvindo isso. De Daniel eu já esperava, mas de você, Charlie? Sinceramente!

Eu voltei ao meu carro, sem ouvir mais explicações. A indignação tomou conta de mim. Não entrava na minha cabeça como alguém poderia pensar isso do Enzo. Ele amava tanto sua esposa, ainda a ama. Com raiva e dor no pé, eu cheguei em casa e me enfiei debaixo do banho, tentando me acalmar. Eu não conseguia entender como acreditavam naquela história de aborto. Era absurdo. Talvez devessem conversar com ele, porque, qualquer um que o ouvisse falando sobre o ocorrido se convenceria que aqueles boatos eram ridículos. Com a mente atordoada, eu dormi depois de uma boa xícara de chá.

A sexta feira tinha chegado, para a alegria de todos. Assim que cheguei em casa, me joguei no sofá e coloquei os pés para cima. Meu mindinho esquerdo estava machucado por estar de patins praticamente o dia inteiro e eu não tinha vontade nem de subir e tomar um banho para lavar o cabelo.

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