9. Coração final.

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Como não consegui dormir direito mesmo, acordei um pouco mais cedo. Meu uniforme ainda estava úmido e bem amassado, mas era aquilo ou nada. Ao dar ré no meu carro, saindo da garagem, tive que freiar bruscamente. Olhei pelo retrovisor e Daniel estava com um olhar feio, segurando a parte traseira do meu carro.

- Tentando me matar? - ele falou, tirando os fones de ouvido

Estava com um moletom cinza, provavelmente fazendo sua corrida matinal.

- Tentando se jogar na traseira do meu carro? - eu rebati, saindo do veículo

Ele rolou os olhos e colocou o fone de novo, voltando a andar.

- Quando crescer, volte a falar comigo! - eu gritei

Isso o fez parar e tirar os fones de novo.

- Crescer? Quem precisa crescer aqui é você.

Eu simplesmente não estava acreditando que ele havia falado aquilo.

- Eu? Você tem certeza? Eu sou quem preciso crescer? - eu disse, cruzando meus braços e esperando uma boa resposta

- Sim! Iludida e apaixonada por um cara que você nem conhece!

- Que eu saiba você é quem está iludido e apaixonado por alguém que não conhece. E, acredite, agindo assim, você nunca vai conquistá-la.

- Você não entende, né? Você está acreditando nas mentiras dele!

- Que mentiras?

- Você acha que a mulher dele morreu por causa de uma doença? Foi ele quem a obrigou a fazer um aborto!

Eu abri minha boca, tentando falar algo, mas, na realidade, eu estava tentando meu máximo para não correr até ele e socá-lo. Como ele ousou falar isso?

- Tudo bem, você não acredita em mim. Mas pense bem, por que você acha que ele se sente ainda tão culpado depois de tantos anos?

Ao falar isso, ele voltou os fones ao ouvido e começou a correr de novo.

- Daniel! - eu gritei - Volte aqui agora!

Porém, ele me ignorou. Eu voltei ao meu carro, batendo a porta com força. Eu estava completamente indignada. O quão infantil ele era? Eu queria fazê-lo engolir cada palavra que ele tinha falado, mas, se eu demorasse um pouco mais ali, ficaria atrasada para aula se passasse no centro antes, como planejei.

Após passar nas duas lojas que queria passar, fui para a aula. Contudo, aquela discussão com Daniel conseguiu estragar meu dia. Eu estava irritada, com vontade de socá-lo por aquilo. Só podia ser mentira, para me provocar, para me afastar de Enzo. Ele realmente precisa crescer um pouco, eu não era tão imatura aos 19 anos. No decorrer da aula, eu não sabia se estava irritada por causa do tédio de matéria, pela ansiedade para a noite chegar ou por causa da terrível forma como comecei meu dia. Concluí que estava daquele jeito porque não tinha dormido direito. Precisei de muito café para me manter acordada no trabalho e também uma dose de paciência para aguentar o gerente reclamando do meu uniforme amarrotado, mas a noite chegou e o banho quente que tomei conseguiu extrair de mim aquela irritação toda. Todavia, extraiu somente a irritação e não a ansiedade. Esta última fez com que eu saísse do banho rápido, colocasse uma roupa e fosse até a casa do conhecido vizinho com um pacote na mão.

Apertei a campainha, porém ele não veio até a porta tão rápido. Fiquei pensando se deveria tocar a campainha pela segunda vez ou não, se já teria dado um razoável intervalo de tempo desde a primeira vez. E, enquanto pensava, ele abriu a porta, resolvendo meu problema.

- Olá - ele sorriu - Entre.

Eu atendi à sua ordem.

- Desculpa a demora, se eu deixasse meus meninos no forno mais um pouco eles não teriam sobrevivido! - falou, ainda com a luva térmica na mão

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