Meus demônios e medos

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"Quando os dias estão frios
E as cartas todas dobradas
E os santos que vemos
São todos feitos de ouro

Quando todos os seus sonhos fracassam
E aqueles que saudamos
São os piores de todos
E o sangue vai secando"

Aquele sussurro me inquietava e tirava o sono. Era como se alguma coisa fosse acontecer, e alguém estivesse me contando. Nunca fui de ter intuição, mas era diferente, aquele dia era diferente.

Como o sono não chegaria comigo no quarto, fui até o telhado e me sentei abraçando as pernas. O céu estava totalmente negro, e a escuridão se faria rainha se não houvessem tantas estrelas brilhantes no horizonte, tão pequenas e cintilantes como verdadeiros pontos de luz.

A brisa fria era tão densa que penetrava nos meus poros e o frio que eu sentia era eminente. Mas o casaco não estava comigo, a única coisa que me acompanhava era meu telefone e fones de ouvido, e claro, aquela voz na minha cabeça.

Eu nunca quis tudo, não desejei milhares de amigos, não implorei por amor fraterno. O meu pedido era apenas ser livre, a ideia de liberdade sempre me pareceu muito forte. Mas o que eu desejava de fato era ser feliz.

A simples e mera felicidade sempre foi tão distante, mas a solidão, por outro lado, era quase palpável na minha vida.

Tenho tanto medo, o tempo todo. Medo de magoar as pessoas, de decepcioná-las, sou fraco, e não posso corresponder as espectativas que faziam sobre mim. Não quis magoar minha mãe, então me afastei dela.

"Quero esconder a verdade
Quero abrigar você
Mas com a fera dentro
Não há onde nos escondermos"

E não quero magoar a Gabriela, por Deus, isso é a última coisa que quero fazer. Tentei evitar, tentei ser só eu, o Matheus de sempre, mas ela me faz tão bem, me faz sentir como ninguém mais faz, e não podia me privar disso, mas talvez, ficar com ela, pode ser tão egoísta.

Eu a amava e não me importava de passar o resto da vida infeliz e sozinho, para vê-la bem e alegre.

Eu tinha que deixá-la, e sabia disso. Mas quando ela olhava nos meus olhos, era impossível sequer pronunciar uma palavra corriqueira dessas que você fala o tempo todo.

"Quando você sentir o meu calor
Olhe nos meus olhos
É onde meus demônios se escondem
Não se aproxime muito
É escuro aqui dentro
É onde meus demônios se escondem"

Mas.... Eu tinha tantos demônios dentro de mim, e não podia deixar ela senti-los, não podia dividir isso com ela, tinha que guardá-los o mais fundo que eu conseguia

"Não quero decepcionar você
Mas meu destino é o inferno"

Não aguentaria a ver sofrer, ou se frustar quando percebesse que eu não tinha mais salvação. Que eu era um caso perdido. E que os demônios, medos e inseguranças me dominavam.

Eu não fazia bem a ninguém, mas eu era o guardião da Gabriela, e via tantas coisas que podiam machucá-la, e talvez eu me tornari uma delas, e não dava para aceitar isso.

Eu deveria ser forte, mas aonde encontraria forças? No sorriso dela. Talvez.

A voz continuava na minha cabeça, me alertando sobre algo. Mas o que seria? Deveriam ser apenas os medos me dizendo o quanto eu não era capaz.

Ouvi passos subindo a escada, era ela.

- Não conseguindo dormir Também? - ela me perguntou com sua voz doce, sua regata e short cinza abarrotados junto com seu rosto levemente inchado indicavam que ela tinha dormido e acordado recentemente. O ar pareceu menos frio quando ela chegou, e eu me senti protegido com Gabriela ali.

- Mais ou menos por aí.

Ela se sentou ao meu lado, com as pernas esticadas e a coluna ereta, os braços para trás, mãos apoiadas nas telhas e o pescoço perfeitamente esticado para ver o céu e sentir a leve brisa que acariciava seu rosto, seus cabelos envolviam um fio no outro e dançavam de modo perfeito e majestoso. Ela olhou para meu rosto, e mais uma vez leu meus pensamentos.

- O que houve?

- Não houve nada.

- Precisa mesmo mentir? Da pra ver no seu rosto que algo está te incomodando. Pode me contar, você sabe que pode. - Gabriela me convenceu.

- Eu.. Eu não sei. Acho que alguma coisa vai acontecer, sabe. - tentei me explicar.

- Algo vai acontecer? - ela questionou descrente - E é só isso que lhe aflige? Matheus, me diz o que está havendo. Você está sentindo falta, do seu pai?

- Não, não é isso. Apenas não sei se estou fazendo as escolhas certas.

- Sobre o que, exatamente?

- Você, Gabriela. Eu não sei se o que estamos fazendo é certo pra você.

- Como assim, certo pra mim? Você não disse que era isso que queria?!

- E eu quero, - disse levantando a voz levemente - acredita em mim quando eu disser que quero você muito. Mas não posso deixar que você me conheça do jeito que eu sou. Não quero te ver como vi minha mãe todos os anos, Gabriela.

- Mas isso não é uma escolha sua, Matheus! Entende isso, não tenho mais sete anos, sei aonde ir. E acredita em mim quando eu digo que quero ir onde você estiver. Eu vou sentir aquilo que você sente e vou estar do seu lado, você não está mais sozinho, e nunca mais vai estar.

Eu entendia isso, e sobretudo, entendia que não podia abrir mão dela.

"Dizem que é o que você faz
Eu digo que depende do destino
Está enrolada na minha alma
Tenho que deixar você ir
Seus olhos, eles brilham tanto
Quero guardar esta luz
Não posso fugir agora
A menos que você me mostre como"

- Eu nunca vou estar sozinho. - repeti as palavras dela para ver se havia entendido bem. - Mas e quando eles gritarem? Os meus demônios, meus medos.

- Seja lá o que tiver aí dentro, nos iremos enfrentar juntos, você entendeu? - ela disse e puxou meus cabelos levemente, apenas para que nossas bocas se encontrassem.

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Matheus e seus demônios internos, como se só o Klaus não bastasse!

Trecho e música: Imagine Dragons - Demons.

Tem treta chegando em gente! Fiquem de 👀.

Até o próximo capítulo, seus lindos 😽

<Da Terra para Marte. Câmbio desliga>


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