Dei um soco no seu estômago, eu já estava cansado e meu corpo não respondia tão bem aos meus comandos. Ele me deu uma rasteira, e eu cai, ele ficou por cima de mim. O pequeno barulho que eu fiz atrás daquela janela me levou para esse momento, prestes a levar um soco no nariz que o fez sangrar. Era para uma cotovelada atingir seu estômago, entretanto, minha visão turva fez com que suas costelas fossem o alvo. O oponente urrou de dor.
Da sala a copa haviam dezenas de coisas espalhadas pelo chão, e as marcas de sangue na parede se confundiam com a tinta creme, em meio a esse caos, Gabriela cravou uma faca dentro da perna do segundo anjo caído. O oponente percebeu que a luta não poderia continuar no solo, então ele abriu suas asas - que eram pequenas perto das da Gabi - e voou para os céus, mas antes de ir para o alto ele se permitiu uma provocação:
— Vamos ver do que essa anja da guarda é capaz — ele disse e Gabriela também expôs suas asas e saiu em disparada aos céus.
Tudo estava meio complicado (lê-se: muito complicado). Quem, a sete meses atrás, diria que Matheus Aguiar estaria aqui? Com um anjo caído (lê-se: demônio) em cima dele dando socos no seu rosto, dando socos no rosto do guardião de um anjo da guarda chamada Gabriela Dutra. O destino tem razões que até a própria razão desconhece.
Voltando a luta, havia uma arte marcial chamada Aikido, consistia basicamente em esperar o oponente atacar e dar brechas. Eu esperei a próxima vez que ele tentou me acertar, eu desviei, girei ficando por cima, agarrei seu braço por trás e o deixei em contato com suas costas. Estava prestes a quebrá-lo. Mas infelizmente, o outro cara - que agora não vestia mais seu terno - conceguiu passar pela janela e entrou na sala como uma bala, só deu tempo de cair um para cada lado dentro do ambiente, e Gabriela veio logo atrás. Os dois entraram por uma janela e saíram na outra, como dois passarinhos que passam por buracos nas árvores, mas o jeito como o qual eles estavam se espancando, os diferenciavam dos pássaros.
Eu olhei para meu oponente, e ele olhou para mim, nos levantamos quase simultaneamente, mas antes ele procurou por um estilhaço de vidro no chão. Não queria prolongar essa luta por mais tempo. Busquei em mim as últimas forças, nos já estávamos próximos, cerca de três metros, apenas, nos deixavam distantes um do outro. Era tudo que precisava.
Ele levantou a mão que estava com o estilhaço, e no intervalo de um tique-taque do coração, eu dei um chute alto, o mais alto que consegui, girei o corpo maximizando o impacto, e meu pé acertou em cheio seu rosto o fazendo cair no chão desacordado, mas antes ele consegui cortar minha coxa com o caco de vidro pontiagudo.
Quando vi o inimigo, até então sem nome, caído no chão, percebi que havia acabado, respirei fundo e sentei na poltrona que já estava jogada por um canto do cômodo, fugindo de seu lugar inicial, saia sangue do meu nariz e da minha coxa, deixando a calça jeans encharcada por aquele líquido vermelho.
A primeira luta da minha vida, e acho que me sai bem, contando que era eu que estava de olhos abertos e não o meu oponente. Que emocionante! Poder bater sem ter limites. Essa frase é de uma pessoa com distúrbios mentais? Óbvio. Mas de fato era uma coisa satisfatória.
Mas, Gabriela, ainda estava em combate. Levantei num pulo e sai da casa erguendo a cabeça com os olhos direcionados para o alto. Mas foi em vão, Gabriela já estava no chão, cravando uma adaga prateada dentro do estômago do seu inimigo. Ele estava de costas para ela e urrou de dor, depois de cinco segundos ela puxou a faca, e o anjo caído foi ao chão, já sem pulsação.
Ela me olhou com temor, e veio ao meu encontro para um abraço apertado.
— Você está bem? — ela perguntou enquanto repousava sua cabeça em meu peito.
— Estou, — perguntei — e você?
— Não sei. — Gabriela admitiu — Matheus, eu acabei de matar uma pessoa.
— Não, você não matou uma pessoa, — corrigi — matou um demônio.
— Espero que você esteja certo. — ela disse ofegante, respirando fundo para suprir o anseio de seus pulmões por gás oxigênio.
Voltamos para dentro, vimos o estrago interno, os objetos jogados pelo chão, o buraco no teto, - por onde os anjos voaram para o céu - e uma voz.
Espera, uma voz?
"Tem alguém aqui?" — a voz chamava.
— Você tá ouvindo isso? — Gabriela perguntou.
— Uhum. — respondi — Parece estar vindo de baixo — acrescentei.
— Vem comigo.
Gabriela foi na frente, e com passos calmos, - e no meu caso, com uma perna mancando - fomos procurando pelo som, pela voz, uma voz masculina, rouca e falha.
O silêncio era absoluto, a não ser por aquele som que saia de uma garganta não identificada. Tudo parecia muito calmo, como se o barulho do mundo tivesse sido desligado, para que o drama daquele momento se intensificasse. E estava dando certo, pois eu estava tenso, a cada segundo a voz ficava mais próxima, e eu mais nervoso. Não aguentaria mais cinco minutos de combate, nem mais cinco segundos.
E sim, esse era de novo um dos momentos em que desejamos estar em qualquer outro lugar, menos ali. Iríamos preferir sentir qualquer outra sensação, menos aquela de apreensão e nervosismo.
Gabriela que estava a minha frente, - com a blusa e as mãos manchadas de um sangue amargo, que não era dela. - foi me guiando e me conduziu até uma escada que descia.
O corrimão infestado de teias de aranha e os degraus que faziam barulho conforme o andar, denunciavam a má manutenção daquele local.
"Quem está aí?"
Aquela voz, não me parecia extranha.
Descemos as escadas e o ar ali em baixo era bem arenoso, e respirar já não era tão agradável.
Passei os olhos pelo ambiente e me encontrei com um homem, sentado no chão com os braços amarrados atrás. Sua barba volumosa e grisalha em parceria com seus cabelos um tanto grandes e volumosos indicavam sua idade e que a ida ao barbeiro não estava em dia. Seu rosto estava levemente sujo, assim como sua camisa de manga longa branca e sua calça jeans marrom. Ele tinha a íris bem escura e com rajadas cor de mel no centro, tal como a minha era. É difícil achar alguém com esses olhos. Na verdade, nunca tinha visto ninguém que não fosse eu.
O homem me rodeou com os olhos e pronunciou boquiaberto:
— Matheus?! Filho, é você?
Era ele. Aquela era a mesma voz que me contava histórias a noite, a mesma voz que me mandava fazer o trabalho de casa. Eu não podia acreditar, era ele, depois de tanto tempo, ele não está morto. Eu não entendia isso, a única coisa que saiu da minha boca foi:
— Pai?!
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Entre Anjos & Guardiões
FantasíaGabriela sempre acreditou na humanidade e na bondade, ela tinha fé, mas durante aquela jornada a sua fé foi roubada aos poucos. Matheus sempre foi cético, acreditava no prático e no comprovado, ele não tinha fé, mas durante aquela jornada ele...