10 - Vida escondida

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Ele não achou chiclete!

- Pai você está BÊBADO? - perguntei, mas a resposta é óbvia.

- Estou. E daí? - ele responde dando de ombros e indo até a cozinha. Ele começa a abrir todos os armários e quando finalmente pareceu encontrar o que queria, abre um pequeno sorriso, ele tira de lá do fundo uma garrafa de uísque. De onde veio essa garrafa?

- Pai, oque aconteceu? Porque você bebeu? E você também fumou maconha? - eu já estava com a voz embargada e algumas lágrimas desciam pela minha bochecha.

Eu juro que estou tentando achar um motivo descente para o que estava acontecendo, mas não conseguia pensar direito. Só conseguia ficar ali parada, chorando desesperadamente e vendo meu pai chegar a metade da garrafa de uísque em poucos goles, de certo modo, estava impressionada por ele não ter desmaiado.

- Eu não fumei maconha! - ufa! pelo menos isso. Ele parecia ofendido, mas pareceu lembrar de algo só agora, então se corrigiu - Quero dizer...fumei. Mas e daí? - Ele fez oque?

- PAI! Como assim "fumei. E daí!?" ? - agora eu estou totalmente irritada. Como ele teve coragem de fumar maconha, beber em algum lugar qualquer e depois chegar em casa e beber mais? Porque ele fez isso? Então, eu lembro do saco com o pó branco que achei em sua mochila hoje cedo. Ele deve estar usando droga há muito tempo e ninguém percebe. Quase sem pensar eu pego a garrafa da mão dele e jogo com força na parede. A garrafa explode espalhando cacos molhados pela cozinha.

- QUE PORRA É ESSA, GAROTA? Qual é o seu problema? - ele grita na minha cara e seu hálito é horrível, queima minhas narinas como ácido.

- O meu problema? Você quer saber qual é o meu problema? O meu problema agora é você! Agora me fala: qual é o SEU problema? - grito chorando

- Quer saber mesmo? O meu problema é a sua mãe, aquela vadia! - eu suspiro de susto e dou um passo para trás por causa de seu linguajar. Ele nunca levantou a voz nem nunca xingou nenhuma mulher na vida, muito menos a minha mãe - Sabe porquê? Eu falo pra ela não gastar tanto dinheiro com roupas, tentar economizar nas compras, essas coisas. Mas ela me escuta!? Claro que não! Estou fazendo hora extra no trabalho, estava guardando uma parte desse dinheiro em um pote aqui na cozinha para emergência e ela...ela achou a porra do dinheiro. Eu tento esconder o dinheiro, eu tento esconder algumas contas para ela não ficar tão preocupada. Eu que tento acalma-la toda vez que ela chora quando a esperança de conseguir pagar todas as contas diminui. Ela chora, chora e tento acalma-la, mas o que ela faz!? GASTA MAIS DINHEIRO. - ele pega um pote em cima do balcão e joga na parede e os cacos se juntam aos cacos da garafa de uísque, eu dou um grito de susto de dou um salto para trás, mas ele parece não perceber - Ela deu aquele dinheiro para você para comprar a droga daquele vestido, e nem para guardar o que sobrou, ela teve que gastar tudo com a bosta daqueles presentes, ela me obrigou a comprar todos aquele livros idiotas - ele diz com a voz arrastada e pega mais um pote e joga na parede.

- POR FAVOR, PARA! - eu grito mais alto que o barulho de mais potes sendo jogados na parede. Ele não me escuta e começa a pegar pratos e copos para jogar na parede. Ele continua gritando:

- Agora sua mãe fez essa droga de viajem e eu vou ter que ir também. Um garoto idiota que a gente nem conhece vai vir morar aqui com você e vai dar MAIS GASTOS. A minha vontade era de sumir daqui e deixar vocês sozinhas vivendo nessa miséria. -  Não aguento mais ouvir isso, desabo no chão na única parte que não tem cascos enquanto ele continua. - E você... - aponta para mim - fica só lendo, estudando...e pra quê? Entrar em que faculdade? Não vamos conseguir pagar nenhuma mesmo, qualquer estudo é em vão. Você não ajuda em nada, eu ia pedir pra você arrumar algum emprego de garçonete ou sei lá, mas como sempre, sua mãe, AQUELA VADIA ARROGANTE, não concordou.

- NÃO FALA ASSIM DELA! - grito em sua cara, mas deve ter sido a pior coisa a ser feita, tudo que eu senti naquele momento foi uma ardência em meu rosto e eu estava no chão de novo. - V-você me bateu. - digo passando a mão em minha bochecha e afirmando o óbvio. - Você n-nunca tinha me batido a-antes, nem um arranhão!

- Pois é! Você estava precisando de umas palmadas mesmo - oque? - AGORA VAI DORMIR! E quando eu acordar amanhã quero tudo isso limpo.

Levanto e saio correndo para tomar banho, fico paranóica com medo de que meu pai entre no banheiro e comece a gritar comigo, mas isso não acontece. Saio do banheiro e coloco meu pijama correndo. Ainda consigo ouvir o barulho de coisas quebrando e do meu pai gritando coisas aleatórias lá em baixo.

Minutos depois, o barulho e a gritaria param de repente e ouço passos na escada cada vez mais perto. Me sinto como uma personagem de filme de terror que está prestes e ouve passos e barulhos chegando cada vem mais perto. Só que a diferença entre essas personagens e eu é que aqui é real.

Meu coração acelera e meu pai aparece na porta com mais uma garrafa de uísque na mão. De onde saiu tanto garrafa de uísque? Como ele ainda não desmaiou? Eu cubro meu rosto um pouco mais com o cobertor como uma menininha imaginando um monstro chegando, mas meu monstro é real e é muito pior do que qualquer animação ou filme de terror mais bem feito.

Ele entra no quarto com passos lento e seus olhos se fixam em mim e na minha prateleira de livros várias vezes como se pensasse duas vezes antes de fazer algo. Então, eu compreendo.

- Não! - sussurro em desespero olhando para ele. Me levanto da cama rapidamente, porém, ele é mais rápido e pega um dos meus livros na prateleira e começa a arrancar as paginas violentamente. - NÃO! PARA! POR FAVOR, PARA! - vejo de relance a capa do livro numa tentativa desesperada de faze-lo parar de arrancar as páginas.

- Esse livro é uma bosta, nunca quis te dar ele, mas ela me obrigou e disse que você ia gostar. - ele dá uma risada forçada e sei que está falando da minha mãe - Ela sempre me obriga a fazer várias coisas, não é? - a cada frase, ele arranca uma grande quantidade de páginas. - Mas ela estava certa. Você amou esse livro. Ficou falando dele por dias. Eu fingia estar feliz por você, mas sempre pensava que era mais dinheiro jogado fora.

Sei exatamente de que livro ele está falando e destruindo ao mesmo tempo. "O Pequeno Príncipe". O livro que ele me deu quando eu ainda não sabia como era bom ler e conhecer histórias diferentes de mundos diferentes, prestar atenção em problemas fictícios de personagens fictícios apenas para esquecer os meus próprios problemas. Mas que tipo de problemas uma criança daquela idade poderia ter? Algumas pessoas ficariam surpresas.

- Pai, você me deu esse livro quando eu tinha nove anos, ele é especial, por favor... - ele me ignora e continua rasgando. Eu praticamente pulo em cima dele para tentar salvar algo do livro, mas ele me empurra contra a prateleira e eu acabo batendo a cabeça na mesma. Totalmente espantada coloco a mão na ferida em minha cabeça e depois vejo o pouco de sangue que tem em meus dedos. Acho que não vou precisar levar pontos nem nada, mas está doendo muito.

- Parabéns! - ele diz com sarcasmo dando mais um gole em sua bebida - Agora se vira e VAI DORMIR! - essa são suas palavras finais antes dele jogar o que restou do livro com força na minha bochecha, deixando a marca do seu tapa ainda mais vermelha.

Levanto do chão e caminho até a porta fechando e trancando-a. Volto para a cama, mas não consigo dormir, meus soluços também não ajudam e as lágrimas já molharam todo o travesseiro. Quando o sono finalmente chega, desejo nunca mais acordar.

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Oi, gnt! Quem chorou? \o/ \o/ \o/\o/ Ou ficou magoada?
Enfim, comentem como se sentiram lendo esse cap, ok?

PRETO E BRANCO • [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora