Aqui em Paris, poucos edifícios têm elevadores. Eu escolhi um com ascenseur. No dia da chegada, descobri que ele está avariado. E assim ficou um mês, coisa normal por aqui.
Um começo estranho: o voo chegou uma hora e quinze adiantado, na imigração não havia quase ninguém, o transfer que havia ganhado de presente da minha amiga ABF estava lá me esperando. Sábado de manhã cedo, tráfego zero, em meia hora estava na porta da minha casa: Rue Gracieuse, 8. E ninguém estava me esperando, claro. Eu devia estar naquele mesmo lugar por volta de 11 horas da manhã, eram 9 e meia, um frio de 2 graus e um pequeno desespero se apossou de mim. O que era estranho bom se tornou estranho ruim. Eu achava que o apartamento era naqueles prédios com porteira, e, se me desencontrasse dos proprietários, bateria a campainha da concierge, que bufaria, mas me deixaria esperar — eu presumia. E se calhasse, ela seria portuguesa, como a maioria das gardiènnes de Paris, e tudo estaria resolvido. Já sentia até o cheiro do bacalhau. Não era bem assim, na porta havia somente um código que desconhecia. A sorte é que após ter ligado para Isabelle, a proprietária, ela veio correndo. Mas 14 minutos em um frio desgraçado, depois de 10 horas de viagem, com duas malas pesadíssimas e uma pequena com o computador, também insuportavelmente chata de carregar, pareceram 14 horas. E eu não podia ficar andando para espantar o frio porque sou brasileira e não confio em ninguém no quesito mala. Vai que levam. E nem ficava bem ficar pulando na porta que nem um saci. Finalmente Isabelle e Gilles chegaram e me avisaram que — SURPRESA — o elevador estava quebrado. Alto, forte, Gilles pegou as duas malas como se fossem duas necessaires e subiu — SURPRESA — os cinco andares galhardamente.
E, finalmente, entrei na minha casa. No começo achei-a pequena, porém graciosa. Amei a cozinha vermelha, a enorme cama queen, a televisão LCD e a internet de alta velocidade. Agora, tudo se ajeitava. Em poucas horas esqueci completamente o seu tamanho — 27 metros quadrados. Ora, estava em Paris, no 5 ème, onde o metro quadrado consegue ser mais caro do que o do Leblon, no Rio de Janeiro, onde moro — 16.000 euros. Além disso, sempre achei que apartamentos grandes amplificam a solidão. Eu adoro apartamentos pequenos. Minha amiga AL diz que assim eu não espalho a bagunça por mais metros quadrados. Acho que ela tem razão, então 27 eram perfeitos. E ficou mais ainda quando conversei com algumas pessoas na lavanderia — um ótimo lugar para se fazer colegas no bairro — e descobri que por lá abundam apartamentos de 12 metros quadrados. Ou seja, estava em uma mansão e não sabia.
Apesar de ter ido bastante a Paris, sempre circulei pela mesma área; Jardim de Luxemburgo, Saint German, Carrefour de L' Odeon, Boulevard Saint Michel, Boulevard Saint German, Rue de Rennes e por aí. É claro, com idas ao Marais, ao outro lado do rio em geral e ao Champs Elysées. Resolvi sair da "zona de conforto" — êta clichezão! — e ficar no Quartier Latin, que conhecia da primeira vez em que estive em Paris e já contei esta história. Mas como isso foi no século passado, nem é para ser levado em conta. O que fiz logo no primeiro dia? Conhecer o quartier, como um animal reconhece terreno: dei dois passos para a direita, mas resolvi ir para a esquerda até a Place Monge, o ponto central da região. Lá fica o metrô e a feira às quartas, sextas e domingos. Mais um pouquinho cheguei na Moufettard, uma das ruas mais animadas de Paris; mais dois passos, à Mesquita e ao Jardim de Plantas. A memória, todos sabem, é traiçoeira, eu podia jurar que tudo isso era do lado da minha conhecida área. Não é tanto, só no mapa, que, por sinal, não sei ver. Olho e não entendo; viro de cabeça para baixo e continuo sem entender; dou uns passos em cima dele e nada resolve. Vai ver tudo fica mesmo do lado. O que fazer? Fui ao cinema, a maior zona de conforto possível. Já estava cansada de aventuras em um dia e, afinal, já me sentia quase parisiense. Na fila, fui abordada por dois franceses me perguntando informações. E eu respondi, o que é melhor ainda. Acho que passei no teste do visual, mas não tanto na prova da língua. Um me respondeu em inglês e o outro só olhou criticamente. Implicantes!
Em um dia, porém, eu já sabia algumas coisas, começava a me ambientar: ninguém andava com o celular na mão, nem na mesa do bar, nem falando. Muito estranho. E eu que pensava que ia saber da colonoscopia do meu vizinho de ônibus. No cinema ninguém falava, abria o celular, nem menos se mexia. Pipoca, nem pensar. Atenção total ao filme. Nas ruas, homens e mulheres elegantes. Chiquérrimos. E mais, descobrira que é mentira que francês não faz exercício e que é magro porque toma muita água. O que vi de corredor no Jardim de Plantas não dava nem para contar. Parecia o calçadão da praia do Leblon de manhã cedo. Tive certeza, ainda, de que se não estivesse interessada em fazer de cada refeição uma experiência gastronômica inesquecível, iria comer bem na maioria dos lugares — exceto naqueles que têm cardápio com fotos. Desses sempre fujo e fugirei.
Posso estar redondamente enganada nesta pseudosociologia, mas me encantou poder observar os nativos. Voltei para a Rue Gracieuse, subi os 80 degraus, e entendi porque os franceses usam uma expressão bem bonitinha para falar da própria casa: chez moi. Je rentre chez moi — eu volto para casa. Coloquei a chave na fechadura e tive certeza: estava em casa.