Aqui em Paris, tem sempre gente amiga chegando. E indo embora. E chegando de novo.
Amigos queridos estiveram comigo em Paris. Vou confessar uma coisa: em algum momento, quando estava planejando a viagem, senti certa ambiguidade com relação a este assunto. Ao mesmo tempo em que sabia que ia gostar muito de vê-los, tinha medo de que eles se tornassem um hiato dentro da minha proposta de estar sozinha e descobrindo Paris. Coloquei algumas regras básicas: cada um só poderia ficar 15 dias; ninguém podia trazer mala grande e não sairia do meu quarto para ninguém. O resto era liberdade para todos de fazer o que quiserem.
Os primeiros a chegar, menos de um mês da minha partida foram meu irmão LC, meu amigo FG, minha amiga/irmã VS e o casal argentino L e V. Amo todos eles, cada um do jeito que são. Foi uma experiência interessante porque pude mostrar algumas coisas novas para eles, virei meio guia e amei. Eles ficaram muito pouco e me ressenti disso, e nos finais de semana que se seguiram senti bastante a falta deles. Nos dias de semana, por mais que eu estivesse de férias, havia criado uma rotina: dia de lavar roupa, dia de ir ao supermercado, dia de fazer as unhas, dias de me perder nas ruas e fotografar e dias de escrever. Os finais de semana eram dias de nada e sentia mais falta dos meus amigos, com quem ia ao cinema, almoçava fora sempre no Brasil e que haviam ficado tão pouco comigo.
Sou totalmente sociável, mas de verdade é quase impossível fazer amigos em terras estranhas. Primeiro porque não abordo turistas na rua e pergunto: "Você é brasileira?" — na intenção de arrumar uma companheira de viagem. Ui, não quero mesmo. Aliás, sempre me lembro da resposta que um amigo deu em plena Londres um dia: "Sou brasileiro, mas não o conheço". Segundo, porque nem os franceses encontram novas amizades facilmente, ou pelo menos, assim deduzi, ao ver a quantidade de cartazes no metrô de sites para solteiros, para mulheres casadas, homens infiéis, clubes de amizades, clube do riso, academias de dança, tudo para proporcionar novos encontros. E senti no cotidiano que não era difícil, era impossível fazer amigos.
Então, quando os amigos brasileiros chegavam era só alegria. MIF, minha amiga/cúmplice/parente veio em maio e andamos que nem umas loucas pela cidade, às vezes em locais conhecidos, noutras nem tanto. Ela foi a minha guia de restaurantes, porque adora comer bem e voltar a lugares que conheceu d'antanho. Eu seguia. E comia. De noite, jantávamos em casa, víamos seriados no computador, falávamos bobagem e ríamos muito. Fomos também a várias exposições, ela gosta, eu também, porque víamos de uma maneira bem especial, passando pelas obras sem nos deter horas ou ouvir 60 minutos de um guia sobre cada peça. Passávamos, flanávamos e gostávamos. Ou não.
Maio foi animado. Apareceram também alguns amigos, de passagem não pela minha casa: BR, RS, HW, DB, NB — adoro este jeito proustiano de usar as iniciais, afinal, quem disse que meus amigos querem estar neste livro? Almoçamos, lanchamos, tomamos café, jantamos. Sempre a comida, mote de Paris, o que significou também alguns quilos a mais quando eles estavam e uma dieta detox quando eles partiram: arroz integral, lentilhas, tudo bio, como manda a moda na França.
Na Rue Gracieuse sempre coube mais um e recebi com carinho minha comadre SS e minha afilhada MP, que são muito amadas. Minha filha IG e o marido MS também vieram para ficar os famosos 15 dias. Com eles vivi momentos especiais, escutei muitas vezes a palavra "mamãe" e tive a oportunidade de conviver com o olhar da primeira vez, o olhar encantado, que tanto invejo, do meu genro. Aos 48 anos de idade ele se deslumbrou. Suas exclamações de surpresa me emocionaram. Ao ver o Louvre, não posso afirmar, mas acho que ele chorou. Biólogo, professor e especialista em museus de ciências, assim como minha filha, Paris teve um sentido ainda mais especial para eles. Com meu genro e minha filha — que estava em Paris pela quarta vez, mas afirmou que ainda se surpreendeu — revivi de certa forma a sensação que havia perdido naquela primeira vez e recuperado nos 100 dias: o deslumbramento absoluto. Espero passar para as próximas gerações — a pequena Alice, que chegará um dia ainda não certo, nem mesmo programado, vai ver Paris junto da avó.
Todos que passaram deixaram uma sensação de amor, carinho, solidariedade como só os amigos e uma família-amiga podem dar. E eu devo a todos "muito obrigada" pela imensa companhia que me fizeram nesta viagem meio solitária, mesmo em uma cidade com tantos milhões à volta, que resolvi inventar para mim mesma. Na solidão aprendi a conviver com meus fantasmas, superar os meus medos e ser muito feliz sem compartilhar. Com meus amigos ao lado reconheci o valor do bom papo, da alegria a dois, da divisão dos prazeres. Quando chegaram me acalentaram, mas como toda história tem dois lados, também me senti feliz por estar sozinha quando eles partiam: novamente dava as minhas caminhadas pelo nada com desejo de achar tudo. Talvez porque soubesse que logo outros iriam bater na minha porta.
Duas coisas, porém, poderiam mudar, meus queridos hóspedes: seria genial se todos falassem francês, assim eu não perderia o embalo momentaneamente de ser a Voltaire que sonhava. Segunda: deviam comer menos baguette — já que eles foram péssima influência para esta viciada nos prazeres da boa mesa.
Estão perdoados, porém, e nem precisam pagar penitência.