Perente, Moderno e Sempre Haverá Paris

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Aqui em Paris, ninguém toma Coca-Cola nem para curar ressaca

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Aqui em Paris, ninguém toma Coca-Cola nem para curar ressaca. Se é que eles têm ressaca.

Paris é uma cidade que obriga seu visitante a andar muito. E, nos poucos momentos de descanso, a refletir sobre o que ela tem que atrai mais de 30 milhões de turistas por ano, um sem-número de emigrantes e algumas centenas, como eu, que resolvem "dar um tempo" na cidade. Pensei muito sobre isso, especialmente porque antes dessa temporada dos 100 dias, a cada viagem sempre dei uma passadinha por Paris. Frankfurt, Istambul, Paris; Moscou, Berlim, Paris; Copenhagen, Moscou, Paris. O que me fez voltar tanto? O que me fez querer ficar na cidade mais de três meses? A perenidade, com certeza. A certeza de que certas coisas jamais mudariam: a beleza da cidade, a única que, em se olhando 360 graus, é linda, o pão crocante das boulangeries, o mil folhas das pâtisseries, as lojinhas do Marais, os óculos do Alain Mikli, o sorvete do Bertillon, os menus dos restaurantes, os queijos fedorentos das fromageries, as milhares de opções de cinema e exposições a conferir após ler o Pariscope. Enfim, uma tranquilidade que foi resumida em Casablanca, o filme: sempre haverá Paris.

Não conheço um brasileiro que não refaça caminhos prediletos em Paris em busca daquilo que conheceu quando esteve pela primeira vez, para manter o fascínio que a cidade exerce sobre nós, que somos tão jovens diante de uma civilização tão antiga. Também não conheço um brasileiro que deixe de ver a Mona Lisa, mesmo que diante dela esteja um batalhão de gente com suas máquinas poderosas. Não conheço ainda quem não tenha subido pelo menos uma vez na Torre Eiffel. São símbolos que permanecem vivos no imaginário de todos, que sobreviveram às guerras e à destruição.

Para alguns, certas coisas são novidades. Meu amigo DB, cearense, jovem, que me jurou que adorava queijo, foi obrigado por mim a experimentar um pedaço de camembert, que cheirava como um tênis de adolescente. O que aconteceu se resumiu no relato que fez pelo telefone para a namorada JP, que havia ficado em Fortaleza: "A Tania me deu um queijo podre e o fedor ficou grudado na minha goela". Na próxima vez, tentarei reblochon (aquele que, além do cheiro, tem gosto de tênis de adolescente). Tenho certeza, porém, de que até isso ele vai lembrar, assim como os biscoitos bem amanteigados, os chocolates supercremosos, os sorvetes, os crepes — que amou. "Aqui se come muito bem" — constatou no segundo dia.

Se algumas coisas são perenes, as novidades também chamaram a minha atenção

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Se algumas coisas são perenes, as novidades também chamaram a minha atenção. Hábitos mudados, por exemplo: os motoristas de táxi não andam mais com um cachorro no banco da frente, embora não gostem muito, mesmo agora, que alguém sente a seu lado. Nunca vi tanto restaurante japonês bom e barato, é uma febre asiática — tanto nos turistas como nas comidas. Com leves adaptações, eles incluem menus no seu cardápio (seis guiozas, arroz, salada e sopa), além de yakitori (espetinho) de queijo. Também notei imensa população muito orgulhosa de sua origem, como a responder aos ataques xenófobos: africanos ostentando com orgulho suas estampas coloridas e tradicionais e mulheres com imensos turbantes coloridos; árabes vestidos a caráter — homens com túnicas, barretes e mulheres de véu — coisa que há vinte anos não se via, mesmo com uma grande população árabe no país, a herança do passado colonialista. Nem a lei antivéu de Sarkozy conseguiu frear o orgulho muçulmano e a sua contrapartida — a fúria antimuçulmana. Os africanos que, nos anos 90, vendiam bolsas pelas ruas, agora vendem bugigangas, mas a barganha continua a mesma: uma Torre Eiffel de metal barato, que DB comprou, custou 20, 17, 14, 10, para finalmente ser vendida por 7 euros, mais três chaveirinhos de brinde. Quando duas pontes ganharam cadeados colocados pelos apaixonados? Um novo ritual que virou uma tradição. Ruas que já foram bacanas agora sofrem a crise do euro que esmaga a Europa, com exceção da Alemanha, que dá as cartas. O desemprego se faz evidente nas pessoas dormindo na rua, em lugares como a tradicional Place des Vosges, assim como nas que pedem dinheiro no metrô, após longas explicações sobre a política do governo. E você vai dizer, "mas isso não é novidade". Não é mesmo, mas eles proliferam mais e mais. Assim como os músicos que tentam ganhar um dinheirinho tocando mal ou bem os mais inusitados instrumentos.

Ou seja, entre a perenidade e a novidade o coração balança por tanto tempo que se quiser. Mais uma coisa nos garantirá que estamos em Paris: a eterna ranzinzice dos parisienses. Chega a ser fascinante. Vi longas discussões sobre o assunto que sempre chegaram à mesma conclusão: os franceses são macambúzios por natureza. Não é à toa — e mais uma vez uso a linguagem — que quando perguntados se está tudo bem, eles respondem: "pas mal", ou seja, não está mal. Nós, os de fora, que dizemos "tudo ótimo" parecemos estar sempre tão felizes. Eles, sempre um pouquinho insatisfeitos. As exceções são muitas e justificam a regra — conheci alguns franceses muito simpáticos e bem-humorados. Para nós, assim acredito, ficou decretado, que ao atravessar o oceano seremos felizes e não nos aborreceremos em euros. E afinal, sempre haverá Paris, pelo menos para nós de là-bas. Já falei sobre isso, mas não custa repetir.

E viva a felicidade cabocla!

100 Dias Em ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora