Aqui em Paris, as crianças vão ao museu desde criancinhas. E certamente entendem mais de arte do que eu.
A frase ficou martelando na minha cabeça por dias: "O Louvre é maior do que o Shopping Iguatemi de Fortaleza". Ouvi por acaso, de uma pessoa querida, amigo de um amigo, que pela primeira pisava em Paris. Era um espanto gostoso o dele. E inusitado. Ele, pelo menos, gostara do Louvre e o shopping era só uma questão de referência. Diferente de uma pessoa do passado que um dia me perguntou por que eu gostava tanto de Paris. E antes que eu respondesse, o gajo deu por encerrada a conversa afirmando: "Eu não gosto de museu e nem de igreja, o que eu vou fazer em Paris?" Nunca mais conversei com ele, afinal, ele achava mesmo que eu ficava entrando e saindo de museu e igreja e mais nada? Na verdade, nem amo museus e igrejas por princípio. Não tenho paciência para visita guiada, não me ofereçam aquele aparelhinho que fica falando no meu ouvido o que estou vendo e nem me detenho muito tempo em cada obra. Igreja também não tem o significado religioso para mim, uma agnóstica, mas as construções me fascinam, especialmente as igrejas góticas (quem leu Pilares da Terra de Ken Follet entende o porquê). Em 100 dias vi muitos museus e muitas igrejas e com prazer. E tive um grande impacto ao pisar de novo no Louvre, após muitas décadas.
E o Louvre, afinal, é maior mesmo do que o Shopping Iguatemi de Fortaleza? Andei pesquisando e descobri que havia lógica na afirmação. O Google me informou que no Shopping Iguatemi "são mais de 300 lojas que reúnem o mais completo mix de compras, lazer e serviços de Fortaleza em mais de 90 mil metros quadrados". E ainda: "criado em 1982, vem sofrendo reformas desde 2002 ampliando em cinco andares os estacionamentos e inaugurando um multiplex". Bem, e o Louvre? "Com cerca de 210 mil metros quadrados, o Louvre é o maior palácio da Europa e o segundo maior edifício do continente após o Palácio do Parlamento Romeno. O primeiro "Castelo do Louvre" foi fundado por Filipe II em 1190, como uma fortaleza para defender Paris a oeste contra os ataques dos vikings. No século seguinte, Carlos V transformou-o num palácio, mas foram Francisco I e Henrique II que o ampliaram para construir um palácio real. Mais tarde, reis como Luís XIII e Luís XIV também dariam contribuições notáveis para a feição do atual Palácio do Louvre, com a ampliação do Cour Carré e a criação da colunata de Perrault. As transformações nunca cessaram na sua história, e a antiga fortaleza militar medieval acabaria por se tornar um colossal complexo de prédios, hoje devotados inteiramente à cultura". O Louvre recebe por ano cerca de 10 milhões de visitantes. Um, o shopping, é um templo de consumo. O outro, o museu, é uma catedral da arte.
Quando coloquei meus pés de novo no patrimônio da Humanidade foi com emoção que revi a Vitória de Samotrácia no alto da escadaria, e esta era uma recordação muito nítida da primeira vez em que entrei no Louvre. Naqueles tempos, nos anos 70, eu buscava cultura em todos os sentidos. Sou da geração que quem sabia mais era mais desejado/a, mais sexy, mais bonito/a, e mais popular. Ainda bem. Quando voltei ao Louvre busquei a sensação que procurei em Parias cotidianamente: olhar com novos olhos aquele acervo, parte dele, claro, porque não dispunha dos seis meses para ver absolutamente tudo.
Mas a frase ainda permanecia na minha cabeça e a correlação com o shopping se fez imediatamente, logo nos primeiros minutos. Lá dentro percebi que a ligação feita pelo jovem não era só referencial. Mesmo que ele nem soubesse disso, havia percebido a mesma movimentação e ansiedade que o consumo provoca. Hordas se acotovelavam pelos caminhos que levavam à Mona Lisa. Diante dela, o alvoroço aumentava. Se antes, os únicos empecilhos entre o admirador e a obra eram os turistas japoneses e suas Nikons poderosas, hoje são milhares de celulares, câmeras, tablets que se interpõem entre a contemplação e o consumo. Eu sou contempladora como alguns, mas a maioria consumia a informação rápida: "Eu vi a Mona Lisa". E partiam céleres para novo ícone. Depois podiam até ir embora. E não vai aqui uma crítica às pessoas. Acho normal que todo mundo queira ver a Gioconda, talvez a pintura mais célebre do mundo e um símbolo do Louvre, consequentemente, de Paris. Mas, se eu fosse autoridade, proibiria que ela fosse fotografada, massacrada, consumida como um hambúrguer.
A grande vantagem da popularidade da Mona Lisa e da Vênus de Milo — outra moça consumida como uma ex-BBB — é que o resto do museu pode ser visto com tranquilidade. Fui a lugares incríveis, salas esplendorosas, um acervo belíssimo de esculturas gregas e romanas; as maravilhas do Egito. Estive, ainda, na nova ala inaugurada em 2012, As Artes do Islã, que é bem bonita, e dei-me por satisfeita. Não sei quando e se voltarei, provavelmente sim. Ou não, mas o Louvre será sempre para mim um símbolo de que a humanidade é possível. E, embora me sinta cada vez mais, quando leio as notícias, num trem bala para a Idade da Pedra, quem sabe percorreremos novos caminhos e criaremos novas coisas fantásticas. Serão consumidas? Com certeza, mas algo sobrará para a pura apreciação.
Este otimismo me mata, mas o que posso fazer?