Aqui em Paris, em matéria de elegância, menos é mais. E em matéria de deselegância, mais é pouco.
Sou de família classe média, nasci em Niterói, filha de pai funcionário público e mãe do lar. E não tenho problema algum com isso, ao contrário, acho que eles me deram valores essenciais, e me ensinaram a importância da educação e do trabalho. Meu pai Adalberto era uma pessoa que gostava das coisas boas que a vida podia oferecer — como marron glacé. Minha mãe era pé no chão e economizava para meu pai delirar. Ela comprava banana e maçã na feira. Ele, uvas e cerejas. Ela andava de ônibus. Ele, de táxi. Minha mãe costurava suas próprias roupas, que eram simples. Meu pai também, mas seus ternos eram de tropical inglês e seus sapatos de cromo alemão. Herdei um pouco dos dois — mais dele, confesso — mas mesmo assim nunca tive fascínio pelo mundo dos ricos. E quem disse que as coisas belas e boas são privilégio dos ricos? Imaginação não tem preço. Até hoje me pergunto quão entediante deve ser todos os dias a sociedade carioca, paulista, mineira se encontrar em alguma festa (pelo menos assim noticiam as colunas). As mesmas pessoas, os mesmos assuntos e maquiagens, sapatos e roupas diferentes, mas semelhantes. E menos fascínio ainda pela nobreza europeia, e quem viu Downton Abbey sabe do que estou falando. Imagina o que é vestir fraque todos os dias para almoçar e jantar.
Não sei por que escrevi tanto sobre tudo isso. Ah, sei sim. É que não deixa de ser uma grande tentação andar pelas ruas dos ricos em Paris. Um dia, comecei minha experiência sócio-antropo-psicológica, mais uma vez de araque, pela Rue Royale, a que dá na Madeleine, e depois pela Rue du Faubourg Saint Honoré, onde estão reunidas todas as lojas que fazem a festa dos árabes, coreanos, chineses e brasileiros ricos. E tome de Prada, Hermès, Dolce & Gabana. Vou confessar: há alguns anos fiz este mesmo tour com minha amiga VS e achei tudo lindo, embora os preços fossem além da imaginação. Hoje os preços continuam em um patamar absurdo, mas tudo me pareceu over, feio, exagerado, colorido demais, estampado em profusão, tachas douradas e prateadas nos sapatos. Será que o mundo se tornou uma grande Miami e eu nem percebi? Mesmo na boutique de Valentino — estilista que respeito e considero um ícone — tudo estava meio bizarro. Estranho também: no quarteirão dos ricos comerciantes e mais ricos consumidores, contrariando a maior característica parisiense, não existe um café, uma boulangerie, uma pâtisserie, só uma loja atrás da outra, cada uma mais sem graça e não de graça. Os seguranças proliferam e, pela primeira vez, vi manobristas, uma coisa absolutamente rara para os padrões europeus.
Estranho, nem parecia Paris. Talvez eu seja muito classe média para admirar um vestido exagerado de 6 mil euros, uma bolsa horrenda de 8 mil euros e umas vitrines sombrias que nem dava gosto fotografar. Tudo de grife. Li em uma pesquisa que as pessoas usam grifes para serem identificadas como pessoas que usam... grifes. Para mim, parece coisa de bobo: comprar uma bolsa de 16 mil euros que é falsificada no mesmo dia aos milhares na China. Ou um relógio de 18 mil euros para ser roubado no primeiro sinal de trânsito das grandes cidades brasileiras. Mas, repito, sou classe média, talvez não alcance o poder enfeitiçador dessas marcas só porque não tenho dinheiro para comprá-las. Mas continuo achando que estou mais para o preceito da Chanel: quando se vestir para sair, se olhe no espelho, tire a metade, aí estará bem-vestida. Sábia, sou admiradora, mas nem por isso compraria uma sapatilha por 400 euros na sua loja. Há quem diga que são muito confortáveis, mas não acredito que sejam sete vezes melhores do que a maioria nas vitrines de outras ruas menos votadas. Pior do que tudo foi ver lojas de casacos de pele — muito démodées. Cadê o meu molho de tomate? Quando vejo uma raposa (renard) no pescoço de alguém — ainda bem que hoje em dia vejo pouco — sempre fico com a sensação de que este alguém matou o gato da vizinha e enrolou no pescoço. Aqueles dentinhos entreabertos da raposinha me dão vontade de gritar de pavor.
Existe, porém, uma ilha de bom gosto no meio de tudo isso. A loja de Issey Miyake no 11 da Rue Royale. Arquiteto da forma, muito mais do que designer de roupas, sua nova loja (antes era na Place des Vosges) é colossalmente bela. Passeei pelas roupas como se estivesse em um museu. A gerente Catherine se aproximou, me perguntou de onde era a minha bolsa, que havia achado muito bonita — uma bolsa de neoprene, de esporte, azul com detalhes em vermelho, perfeita para viagem, mas nada de especial. Conversamos, disse que era brasileira, jornalista, que estava escrevendo sobre a viagem, ela me pediu o meu contato, me deu seu cartão e, ainda, quatro amostras dos perfumes novos do estilista — "para você não sair sem nada". E disse isso sem arrogância alguma, o que me encantou. Sou classe média, não tenho dinheiro para comprar, mas sei admirar o que é realmente belo. E isso ela percebeu.
Merci, papa!